Foi num domingo à tardinha, que a prima Teresa apareceu lá por casa. Depois dos cumprimentos da praxe, procurou apressadamente os meus filhos mais novos. Reparei que trazia uns papeis na mão, mas não associei ao que se viria a suceder.
Quando às vezes faço um balanço destes meus últimos anos de vida, ensombrados pela doença, sou obrigado a reconhecer, muitas vezes contra a minha vontade, que nem tudo é mau. A verdade é que houve coisas boas, que aconteceram graças à ELA. Provavelmente, se não fosse a doença não teriam acontecido. Como estamos muito envolvidos emocionalmente no contexto da doença, não é fácil distanciarmo-nos para chegar a esta conclusão. Eu conheci novas pessoas, alguns verdadeiros heróis anónimos, outras que já conhecia, revelaram-se, e mostraram-me o seu verdadeiro Eu. Uma das coisas boas que aconteceram, foi a entrada da prima Teresa na minha vida. Não é que ela já cá não estivesse, mas passou a estar de outra maneira. Primos direitos, de gerações diferentes, separados pela idade, a vida não nos deu muitas oportunidades de convivência . Mal sabia eu, o que estava a perder. Agora que entraste, jamais te deixarei sair. Agora que estás aqui ao meu lado, é como sempre cá tivesses estado. Não prescindo de ti, nem de ninguém! Tenho a estranha sensação que alguém tenta equilibrar minimamente estas coisas. Um tipo perde muitas coisas, mas também ganha outras. É impossível fazer um balanço tipo deve e haver, porque as perdas são enormes, mas o que ganhamos, ajuda muito a superar o nosso estado. Por incrível que pareça, não abro mão das coisas boas que a ELA me trouxe.
Dizia no início, que Teresa procurou os meus filhos. De repente, invadiram a sala e colocaram-se à minha frente e da Mãe. Começaram a ler um poema. Reconheci de imediato, aquele texto que Nelson Mandela repetia para si mesmo, diariamente, durante o tempo em que esteve preso. Foi o momento alto desse meu dia. Não só porque sou um enorme admirador do exemplo de tolerância e grande humanidade de Mandela, que depois de anos encarcerado, quando chega ao poder, consegue controlar os ódios dentro do seu partido – o ANC -, e tenta construir um país para todos ; Mas também porque me identifico com Invictus quando o autor termina com “I’m the captain of my soul”. Tal como Mandiba, já estive preso (post Prisioneiro), em circunstâncias diferentes, mas prisioneiro. Que a doença me tirou muita coisa, é verdade ; mas não me roubou a lucidez, a vontade de lutar e o amor à vida. Ainda sou o captain of my soul! Invictus, por isso…
Deixo-vos o magnifico poema de William Ernest Henley.
Do fundo desta noite que persiste
A me envolver em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.
A me envolver em breu - eterno e espesso,
A qualquer deus - se algum acaso existe,
Por mi’alma insubjugável agradeço.
Nas garras do destino e seus estragos,
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.
Sob os golpes que o acaso atira e acerta,
Nunca me lamentei - e ainda trago
Minha cabeça - embora em sangue - ereta.
Além deste oceano de lamúria,
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-seem fúria,
Não me amedronta, nem me martiriza.
Somente o Horror das trevas se divisa;
Porém o tempo, a consumir-se
Não
Por ser estreita a senda - eu não declino,
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.
Nem por pesada a mão que o mundo espalma;
Eu sou dono e senhor de meu destino;
Eu sou o comandante de minha alma.