sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O Sentido da vida

Há duas semanas atrás a minha mulher enviou-me um link do YouTube cujo titulo era "o sentido da vida". Trata-se de um vídeo de uma palestra de Manuel Forjaz.

Estuda filho, estuda. Tem boas notas. Arranja um bom emprego. Ganha dinheiro. Sê promovido, sê reconhecido. Casa e tem filhos. Aos 40 anos ganhas 5.000 euros por mês, tens uma casa de 300 metros quadrados e um BMW. Estamos gordos e saciados... vivemos anestesiados na mimetização de rotinas, aquisições, comportamentos, preferimos não pensar, não escolher, o cérebro transformou-se num puré preguiçoso... temos todos tudo, telemóvel último modelo e i-pod, pc e net wireless, carro próprio e férias na neve, Mcdonalds e futebol... deixámos de pensar, e sobretudo pensar-nos! Criamos falsos mitos de necessidade e segurança que nos empurram no mesmo caminho... como se a casa não pudesse ter menos 50m2, como se precisássemos mesmo ir de carro do Rato ao Chiado, como se os filhos morressem por estudar no Pedro Nunes em vez do S. Tomás, e esquecemo-nos do que é viver... nove em cada dez concorrentes de programas de televisão, quando lhes perguntam o que vão fazer com o dinheiro que ganharam respondem que querem viajar. É curioso porque nesta magnifica diversidade de seres humanos devemos todos querer coisas diferentes. E não queremos. E não temos porque estamos todos formatados a pensar da mesma maneira e a querer todos as mesmas coisas. Raramente nós pensamos num sentido para a nossa vida e em algo que nos faça felizes. Aos 40 anos queremos todos as mesmas coisas porque vivemos na dependência de vários mitos. Olhamos para a frente e encaramos mais 30 anos a viver da mesma maneira. Nunca pensamos nos custos do sucesso. Um deles é a falta de tempo. Não somos donos do nosso tempo. O primeiro passo para percebermos qual é o sentido da vida é sermos honestos connosco e descobrirmos o que nos faz realmente felizes. Mas, a não ser para os pobres do espírito não há felicidade sem liberdade; e não há liberdade sem escolha; e para escolher precisamos de alternativas; e para elencarmos alternativas precisamos sempre de aprender;

Bem sei que se trata de uma acção de motivação para colaboradores de uma empresa. A mensagem subliminar da comunicação é no fundo a coragem para aceitarmos a mudança. De qualquer maneira o vídeo fez-me reflectir e pensar em como de facto é difícil pensar out of the box. Também eu me revi em algumas daquelas frases que constituem a ideia de sucesso de muitos de nós. Para pensar fora do formato, é preciso uma de duas coisas: ou uma coragem e lucidez fora do comum, ou um acontecimento que nos faça pensar naquilo que é realmente importante. Não conheço muitos casos de pessoas com a coragem e lucidez necessária, que trocaram o acessório por aquilo que de facto as torna felizes. Conheço relatos de navegadores solitários, de gente que é voluntária em África, de gente que para eles o mais importante é viajar de mochila ás costas e conhecer o mundo. O mais consistente para mim é o Tony, o quatro olhos para os amigos. Tirou gestão hoteleira como eu. Desde logo disse que o curso não lhe serviria para muito. A sua paixão era a fotografia. Organizava passeios connosco, sendo necessário acordar muito cedo. Ele justificava-se perante os nossos protestos dizendo que o dia tinha uma beleza especial pela manhã. Era capaz de estar 10 minutos a fotografar uma simples flor. Era o primeiro a captar aquilo que é simples e verdadeiramente belo. Nós ali ao lado, não víamos mesmo que as coisas nos entrassem pelos olhos. Hoje é  um renomado fotografo profissional. Trocou o Porto por Bragança, onde vive e é feliz. Ensinou-me muito.
A outra maneira de pensar out of the box é levar um murro no estômago. Ai começamos a valorizar coisas  que até então nos passavam ao lado. A vida ganha um novo sentido.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Petição

Aguardo ansiosamente a resposta do Hospital à carta que enviei no inicio de Outubro. A carta foi registada com A/R e foi recebida no dia 7 de Outubro pelo Hospital de Santa Maria. Vou aguardar mais uns dias e caso não tenha resposta vou passar para a fase 2 na minha luta pelas ajudas tecnicas a que tenho direito.

Entretanto a APELA vai entregar uma petição na Assembleia da Republica, relacionada com este tema. Deixo aqui um esboço do que poderá ser apresentado:

Sua Excelência
Senhora Presidente da Assembleia da República

A APELA, Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica, vem expor e requerer a V.Exa o seguinte:
Os doentes com a Esclerose Lateral Amiotrófica, têm o direito à atribuição de ajudas técnicas, conforme resulta do preceituado na Lei 38/2004, de 18 de Agosto e no Decreto - Lei 93/2009, de 16 de Abril. De acordo com queixas chegadas à nossa associação, verificamos que a lei não está a ser cumprida, nomeadamente no Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE, vulgo Hospital de Santa Maria onde existe a mais relevante e especializada consulta desta doença em Portugal.
A Esclerose Lateral Amiotrófica, doravante designada abreviadamente ELA, faz parte de um grupo de doenças do neurónio motor. Esta é uma doença neurodegenerativa incurável, progressiva e fatal, caracterizada pela degeneração dos neurónios motores, as células do sistema nervoso central que controlam os movimentos voluntários dos músculos.
Segundo a Aliança Internacional para a Luta contra a ELA, existem, actualmente, mais de 70 mil pessoas em todo o mundo que sofrem desta patologia. A progressão rápida da ELA, oferece aos doentes uma esperança de vida muito reduzida - mais de 60% dos doentes só sobrevivem entre 2 a 5 anos.

A principal causa de morte prende-se com a insuficiência e falência respiratórias por envolvimento progressivo dos músculos respiratórios, que acabam por sucumbir.
Infelizmente, ainda não existe tratamento eficaz ou cura. Os medicamentos disponíveis somente se mostram capazes de retardar a evolução da doença, não se traduzindo na diminuição da taxa de mortalidade.
A doença implica a perda progressiva da locomoção, da fala, da deglutição e da respiração, em proporções variáveis e imprevisíveis.
Num período muito curto, os doentes vêem-se impedidos de efectuar as mais simples tarefas do quotidiano precisando de apoio 24h/dia.
Tendo em conta que a ELA não afecta as capacidades intelectuais do doente, o mesmo vivencia a sua progressão com extrema angústia, o que é agravado pelo facto de existirem inúmeras dificuldades na sua comunicação com os outros, o que contribui ainda mais para o seu isolamento.
Os inúmeros constrangimentos vivenciados diariamente pelo doente com ELA e pelos seus familiares, poderão ser minorados mediante a disponibilização, em tempo útil, da informação necessária à melhor gestão da sua doença, de ajudas técnicas fornecidas atempadamente, da sensibilização da própria sociedade e, muito especialmente, da sensibilização e da formação dos próprios técnicos de saúde e técnicos sociais que lidam com os doentes, mas, também, de apoios sociais, por exemplo, o apoio domiciliário.

Neste momento estima-se que existam cerca de 500 doentes em Portugal. Apesar deste numero, a incidência da ELA não é muito mais baixa que a da Esclerose Multipla. A grande diferença é que a esperança média de vida da ELA é de 3 a 5 anos e a da Esclerose Múltipla é de cerca de 40 anos…
Esta doença pela grande incapacidade que provoca, é mais do que uma doença do indivíduo, sendo uma doença do nucleo familiar pois afecta todas as pessoas que rodeiam o doente. Há casos em que o doente perdeu o emprego e o cônjuge teve de deixar de trabalhar para cuidar do doente. A doença implica grandes cuidados que são onerosos.

PELO EXPOSTO,
Requer-se a V. Exa. que, face a todo o ora alegado, ordene a remessa da presente Petição à respectiva Comissão Parlamentar competente para que seja fiscalizado o cumprimento da Lei 38/2004, de 18 de Agosto e do Decreto - Lei 93/2009, de 16 de Abril, junto do Ministério da Saúde e das demais entidades competentes, no que à atribuição das ajudas técnicas aos doentes com ELA diz respeito.
Requeremos igualmente a V. Exa, que devido ao caracter absolutamente excepcional da doença e à baixa esperança de vida dos doentes, seja atribuido um rendimento mensal equivalente a 2 retribuições mínimas mensais garantidas (RMMG) a todos quantos aufiram rendimentos abaixo deste montante. Estamos absolutamente convictos de que tal medida se impõe por razões morais, de equidade e de justiça social e que iria traduzir um forte impacto financeiro nos rendimentos dos doentes/beneficiários que se achassem nessas circunstâncias, a qual seria absolutamente irrisória para as contas do Orçamento de Estado, tendo em conta o reduzido numero de beneficiários que abrangeria.
Pelo exposto,
PRD.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

ELAS ou Nós

Ao lançar um olhar mais atento sobre o nosso pais, conclui que Portugal está doente. Não sei o nome da doença que afecta este cantinho da Península Ibérica, mas encontro muitas semelhanças com a Esclerose Lateral Amiotrofica. Um doente com ELA depende da ajuda de terceiros para sobreviver. Portugal também. Um doente com ELA vai assistindo à evolução da sua doença até ficar paralisado. Portugal está paralisado e, nos últimos anos, temos assistido à sua gradual tetraparesia. A economia parou, os bancos não tem dinheiro nem meios onde obter financiamento e temos que controlar o défice das contas públicas e, ao mesmo tempo, fazer crescer a economia para podermos pagar as nossas dividas ao exterior, o que é extremamente difícil. Um doente com ELA depende do ventilador para respirar. Portugal depende da Troika para poder comer, pagar salários e outros compromissos do Estado.

Não há cura para a ELA. Muitos economistas já se pronunciaram sobre a crise, dizendo que não há uma fórmula mágica para se sair dela. O difícil da equação é saber como é que se combinam as variáveis austeridade e crescimento económico. Numa coisa parece que a ELA tem vantagem. A ELA não é contagiosa. A crise é altamente contagiosa. Portugal, Grécia e a Irlanda já estão doentes. Espanha, França, Itália e Bélgica, podem ser os senhores que se seguem. Tal como o doente com ELA pergunta, que fiz eu para merecer isto, também Portugal se interroga hoje como foi possível chegar até aqui. Sobre a doença há muitas teorias em estudo, não se conhecendo bem a causa que a provoca. Sobre o nosso Pais já não é bem assim: em 2000 devíamos 66.175,5 milhões de euros e em 2010 a nossa divida é de 151.774,6 milhões de euros. Em 2000 devíamos apenas 52% do nosso PIB, sendo que actualmente a divida representa 90% do produto interno bruto. Cada Português devia ao estrangeiro em 2000, cerca de 6.500.0 euros enquanto agora devemos cerca de 15.000.0 euros. A factura é pesada. Cá em casa somos 5, e os meus filhos que ainda não trabalham já devem 15.000.0 euros cada um. Isto significa que nos últimos 11 anos Portugal passou de um Pais com um endividamento perfeitamente razoável para um Pais completamente falido e com um futuro hipotecado. Assistimos a isto impavida e serenamente. Aonde estavam os indignados? Só me lembro de ouvir três vozes a avisarem o que podia acontecer: Manuela Ferreira Leite, Medina Carreira e o Presidente do Tribunal de Contas. Acrescento também o Miguel Sousa Tavares que em algumas cronicas denunciou a  situação. A imprensa ajudou a esconder. Não sei se por ignorancia ou por conveniencia. E nós fomos assobiando para o lado... Deixando construir autoestradas que não são necessárias, rotundas nas cidades do interior que não servem para nada e alimentando o festim das Parcerias Público ou Privadas. Não acredito que a partir de 2015 seja possivel pagar subsídio de férias e subsidio de Natal uma vez que os encargos dos negócios ruinosos nas estradas de Portugal serão de três mil milhões de euros por ano. Até 2030. Alguém devia estar preso. Não sei quem está mais doente: os ELAS ou nós.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Maquina imperfeita

Muitos amigos me pergutam como é ter ELA. Penso que a curiosidade deles reside não na doença em si mas no facto de como se pode viver imovel. A vida é movimento, fluidez, constante devir de sentidos tantas vezes contraditorios. Parar é morrer, costuma-se dizer. Nós somos contra natura. Já paramos mas não morremos. Ou se calhar já começamos a morrer devagarinho. É muito dificil responder á questão de como se sente uma pessoa que não se pode mexer. Ás vezes tento concentrar toda a minha força para mexer um braço. Um, dois, tres, agora... Em vão. O braço não responde. Não se mexe. É como se nunca tivesse sido capaz de se mexer. Quem não tem cão, caça com gato. Como não me consigo mexer tenho de pedir a alguem que me mexa. Uma vez disse a um amigo, para experimentar estar uma hora sentado no sofá sem se mexer. Só  pode mexer os olhos e rodar o pescoço. Se te coçar a vista cerra os olhos com força. Se te coçar o nariz pensa noutra coisa. Se uma mosca não te largar fecha a boca e abana a cabeça bruscamente. Para tudo há soluções mais ou menos satisfatórias. No entanto para um ELA o conforto e o bem estar  são fundamentais. Por isso sou tão chato com os que me rodeiam. Estica a perna, alonga o pé, cruza as pernas, puxa o cotovelo para fora, abre o polegar, levanta a mão, sobe a cadeira, baixa a cadeira, preciso de me levantar e assim sucessivamente. Ás vezes dizem-me: «Cruzar as pernas, mas eu ainda agora as estiquei». Limito-me a acenar com a cabeça. Eu sei que é dificil entender mas já repararam quantos gestos por minuto faz uma pessoa capaz de se mexer? É que quem se mexe não tem consciencia disto. Faz as coisas mecanicamente. O corpo humano é a mais perfeita maquina que existe. Agora compreendo porque é que os manuias de anatomia da minha filha teem tantas paginas. Se o corpo humano viesse com um manual de instruções, este teria concerteza milhares de folhas. Para alem do movimento que estamos sempre a solicitar a quem nos rodeia, existe a questão de coordenação temporal. Este ainda é o conceito mais complexo de entender. Pedi para me esticarem a perna. Quinze segundos depois peço para me coçarem o nariz. Perguntam-me vezes sem conta: «Porque é que não pedes tudo de uma vez»? A resposta é mais uma vez simples de dar mas dificil de explicar. Um tetraplegico não se mexe e não tem sensibilidade. Presumo que para ele seja mais ou menos indiferente ter a mão para cima ou para baixo. Ao contrário um ELA com tetraparesia não se mexe mas tem sensibilidade. Sente dor, calor, frio, enfim todos os estimulos. Por isso à medida que recebe os estimulos do exterior criando-lhe necessidades, pede a quem o rodeia que as satisfaçam. A maquina perfeita transforma-se em maquina imperfeita.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Carta ao Presidente do Conselho de Administração do Hospital de Santa Maria



 
Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE,
A/C Exmo. Senhor Presidente do Conselho de Administração, Senhor Professor Doutor João Álvaro Correia da Cunha
Avenida Professor Egas Moniz
1649-035 Lisboa

Cascais, 29 de Setembro de 2011
CARTA REGISTADA C/AR

Exmo. Senhor Presidente,
Venho por este meio, expor a minha situação e pretensão, como se seguem:
Tenho 44 anos de idade e estou a ser seguido, desde Setembro de 2009, na consulta de Neuromusculares deste Hospital, por doença do neurónio motor - ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA (ELA).
Tratando-se de uma doença progressiva e incurável, a mesma tem-me causado uma severa e dura limitação funcional, necessitando totalmente e há mais de 2 anos da ajuda de terceiros para todos os meus cuidados pessoais. Para além do facto de me encontrar há mais de 2 anos quase completamente imobilizado (mexo pescoço e um dedo apenas), há cerca de 1 ano, encontro-me com uma clara e progressiva insuficiência respiratória, estando já com respiração assistida (ventilador), sendo que, quase já não consigo articular uma palavra. Comunicar com terceiros é, hoje, por tentativas por parte de quem me está a assistir. É doloroso, cansativo. Sinto-me impotente…
Tenho 3 filhos de 18, 14 e 11 anos, respectivamente e não conseguir falar com eles, com a minha mulher e todos aqueles que comigo privam é, se calhar, a pior das minhas limitações. Atento este meu quadro clínico, a Prof. Dra. Anabela Pinto, do Departamento de Medicina Física e Reabilitação deste Hospital de Santa Maria, solicitou à Distinta Administração deste Hospital, a disponibilização das seguintes ajudas técnicas:


DATAS DOS PEDIDOS

CÓDIGOS

AJUDA TÉCNICA SOLICITADA
INFORMAÇÃO ADICIONAL DO PEDIDO


15.12.2010


4443 1777713
Cadeiras de rodas eléctricas c/comenado de direcção assistida à esquerda, modelo Shoprider Viena



15.12.2010


4444 1777713


Sistema eye tracking c eye com GRID 2 
Muito urgente – condiciona manutenção de um posto de trabalho e amplia qualidade de vida e sobrevida.”

20.01.2011

4602 1777713
Cadeira de rodas de controlo manual de conforto e de empurrar 
Muito urgente.”


07.09.2011


5292 1777713

Cadeira de rodas de controlo manual de conforto e de empurrar. 
“Repetição de pedido efectuado a 20.01.2011. Então era urgente, agora é muitíssimo urgente.”


07.09.2011


5293 1777713

Sistema eye tracking c eye com GRID 2 
“Repetição de pedido efectuado a 20.01.2011. Então era urgente, agora é muitíssimo urgente.”


07.09.2011


5294 1777713

Cadeira de rodas eléctrica Shoprider Viena, mod Viena
“Repetição de pedido efectuado a 20.01.2011. Então era urgente, agora é muitíssimo urgente.”


Até à presente data, ainda não recebi qualquer das ajudas técnicas que foram solicitadas (algumas das quais há já quase um ano…), não obstante a elas ter direito, nos termos do preceituado na Lei 38/2004, de 18 de Agosto e no Decreto - Lei 93/2009, de 16 de Abril (Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio – SAPA), cujo conteúdo do normativo em causa me vou escusar de descrever porque, seguramente o Senhor Presidente o conhece sobejamente. Limitar-me-ei apenas a dizer o seguinte:
Para um doente com ELA, as ajudas técnicas são, como deve imaginar, fundamentais, essenciais para se ter alguma qualidade de vida. No meu caso, que estou quase completamente paralisado, diria mesmo que as ajudas técnicas são de vital importância. Até porque, neste momento e como já referi supra, já falo com imensa dificuldade e a única maneira de poder comunicar a muito curto prazo será ter o sistema de comunicação aumentativa, onde poderei controlar o rato do computador através da vista e, desta feita, poder comunicar com o mundo. Caso contrário, ficarei prisioneiro dentro do meu corpo, limitando-me a responder com piscadelas de olho às perguntas que me fazem.
Não ignoro que o país atravessa um dos momentos mais críticos da sua história, vítima da incompetência dos nossos políticos e da voracidade despesista das clientelas politicas. O momento é difícil, é certo. É preciso cortar na despesa pública, é certo também. Mas eu sempre paguei e pago os meus impostos. Por isso, exijo que o Estado me apoie, de acordo com as leis que o próprio aprovou na Assembleia da Republica.
Porque esta minha situação é grave e insustentável, do ponto de vista da minha qualidade de vida e sobrevida, venho solicitar-lhe a sua especial atenção para esta minha legítima pretensão.
Na expectativa de que o meu pedido seja atendido e resolvido (em tempo útil),
Apresento os meus cumprimentos,       
Henrique Gonçalves

Esta é a carta que segue hoje para o Hospital de Santa Maria. Aqui vos darei conta dos desenvolvimentos deste  assunto e dos proximos passos a seguir.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A minha luta pelas ajudas tecnicas. Lei 38/2004 e Dec lei 93/2009

Desde Dezembro de 2010 que aguardo pelas minhas ajudas técnicas prescritas pela Professora Doutora Anabela Pinto do Departamento de Medicina Física e Reabilitação do Hospital de Santa Maria. O normal seria esperar 3 a 4 meses. Este período, já está largamente ultrapassado. Em Portugal, temos duas leis que regulamentam a atribuição de ajudas técnicas, a pessoas com deficiência. São elas, a lei 38/2004 de 18 de Agosto, e o decreto lei 93/2009. O deficiente que lê esses documentos, vai pensar que é uma «Alice no Pais das Maravilhas». No entanto, a realidade é bem diferente. Rezam os documentos coisas tão belas como:
Na lei 38/2004

Promoção da igualdade de oportunidades, e promoção de uma sociedade para todos através da eliminação de barreira. A pessoa com deficiência tem direito ao acesso a todos os bens e serviços da sociedade. A pessoa não pode ser discriminada, directa ou indirectamente. A pessoa com deficiência tem direito aos bens e serviços necessários ao seu desenvolvimento ao longo da vida. A pessoa com deficiência tem o direito à qualidade dos bens e serviços de prevenção, habilitação e reabilitação, atendendo à evolução da técnica e às necessidades pessoais e sociais. Ao Estado compete criar as condições para a execução de uma política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência. Compete ao Estado adoptar medidas que proporcionem à família da pessoa com deficiência as condições para a sua plena participação.
Compete ao Estado adoptar, mediante a elaboração de um plano nacional de promoção da acessibilidade, medidas específicas necessárias para assegurar o acesso da pessoa com deficiência à sociedade de informação.

No Dec lei 93/2009

O presente decreto lei visa, assim, criar de forma pioneira e inovadora o enquadramento especifico para o Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio — SAPA... O SAPA abrange as pessoas com deficiência e, ainda, as pessoas que por uma incapacidade temporária necessitam de produtos de apoio. No caso de prescrição médica obrigatória, os produtos de apoio são prescritos apenas por médico. As verbas destinadas ao financiamento dos produtos de apoio abrangidos pelo presente decreto -lei são geridas autonomamente por cada entidade financiadora e são disponibilizadas pela Administração Central do Sistema de Saúde, às unidades hospitalares... A comparticipação dos produtos de apoio é de 100 %. Nas unidades hospitalares (...) os produtos de apoio são directamente fornecidos aos utentes, não havendo
lugar a comparticipação através de reembolso.

Perante tão bonitas palavras e intenções por parte do legislador, só me resta concluir que da teoria à pratica, vai uma grande distancia. Para um doente com ELA, as ajudas técnicas são fundamentais para se ter alguma qualidade de vida. No meu caso, que estou quase completamente paralisado, uma vez que só mexo o pescoço e um dedo, diria mesmo que as ajudas técnicas são de vital importância. Até porque neste momento, já falo com muita dificuldade e a única maneira de poder comunicar a muito curto prazo é ter o sistema de comunicação aumentativa, onde poderei controlar o rato do computador através da vista e assim comunicar com o mundo. Caso contrario, ficarei prisioneiro dentro do meu corpo, limitando-me a responder com piscadelas de olho às perguntas que me fazem. Não ignoro que o pais atravessa um momento critico da sua história, vitima da incompetência dos nossos políticos e da voracidade despesista das clientelas politicas. O momento é difícil e é preciso cortar, mas eu sempre paguei e pago os meus impostos. Por isso exijo que o Estado me apoie, de acordo com as leis que o próprio aprovou na Assembleia da Republica. Sei de fonte segura que há mais de um ano que o departamento de Medicina Física e Reabilitação, não recebe uma ajuda técnica, apesar dos médicos continuarem a prescrever. Por isso, decidi hoje por mim e por todos aqueles que estão nas mesmas condições que eu, iniciar uma luta pelas ajudas técnicas a que temos direito. Sempre lutei pelas coisas em que acredito. Nunca me acomodei. Agora não será diferente.

Quais são então as ajudas técnicas que eu reclamo? Em Dezembro de 2010,foi-me prescrito uma cadeira de rodas eléctrica. Neste momento, com as limitações que apresento o comando teria de ser adaptado. Em Janeiro de 2011 foi-me atribuída uma cadeira de conforto. Como não recebi, mas esperava que o assunto se resolvesse, optei por alugar uma, o que me custa 150 euros por mês. Também em Janeiro de 2011 foi-me prescrito, após testes com técnicos de uma empresa independente, um sistema de comunicação aumentativa. Esta é para mim a mais importante das ajudas técnicas que me podem ser dadas neste momento, e também a mais onerosa de todas. Talvez a administração da entidade prescritora, neste caso o Hospital de Santa Maria, tenha como estratégia deixar passar o tempo, porque o tempo é uma coisa que um doente com ELA não tem. Nós lutamos contra o tempo, em contra relógio porque a esperança de vida, dizem os médicos e as estatísticas é muito curta. Se for esta a ideia,desengane-se o Sr Profº Doutor João Álvaro Correia da Cunha, Presidente do CA do HSM, que eu até ao ultimo dia da minha vida vou lutar pelas ajudas técnicas que o Estado me deve. Por mim e por todos os ELAS

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Tamagochi

Há famílias e cuidadores que são muito bons a tratar da doença e menos bons a tratarem do doente. Não porque não queiram, mas muitas vezes porque não percebem o que é preciso fazer. Aparentemente estas duas coisas são o mesmo, mas na realidade são bem diferentes. Tratar da doença é para mim o aspecto técnico da questão, enquanto que tratar do doente é o aspecto prático. Tratar da doença é levar o doente ao médico, dar-lhe a medicação, mobiliza-lo, leva-lo à fisioterapia, colocar o ventilador, etc. São aspectos importantes que passam a fazer parte da realidade da vida do doente, mas que não lhe acrescentam um crédito de vivência, nem o tornam mais feliz. Permitem-lhe sobreviver, mas não viver. Tratar do doente é precisamente o contrário. é po-lo a viver em vez de sobreviver. É a difícil tarefa de o tornar feliz. E como é que isso se faz? Não há uma formula magica que se aplique a todo o universo de doentes com ELA, mas não erraria por muito se dissesse o quanto é importante o apoio da família e dos amigos. Levar à rua, passear, ir jantar fora, ir ás compras, ao futebol, à praia, virar a pagina de um livro ou jornal, conversar, animar, são exemplos simples de coisas que acrescentam conteúdo à vida do doente. Assim o doente tem a noção de que vive de facto em vez de apenas sobreviver. Digamos que este é o patamar de excelencia para o núcleo que envolve o doente. Tal como num tamagochi, se o doente estiver feliz é porque estão a fazer um bom trabalho. Quando ouso colocar este nível de exigencia sobre os que rodeiam os doentes é porque dou como garantido que o primeiro nível está adquirido, ou seja, o da sobrevivencia.  No entanto tal não é verdade. Muitos morreram porque não os viraram, outros afogaram-se em saliva, outros esqueceram-se de por o ventilador. Não atribuo culpas a ninguem. São acidentes que fazem parte da própria doença. Por outro lado não é legitimo pedir ás familias, amigos e cuidadores que deem mais do que conseguem dar. Não faço portanto, juízos de valor, mas é preciso ter consciencia que para um ELA sobreviver para alem das contingencias da própria doença é preciso mante-lo vivo. Falei à pouco do tamagochi, aquele joginho electrónico japonês em que é preciso alimentar, dar carinho, cuidar para se manter o boneco vivo. Hoje ter um doente com ELA em casa é o mesmo que ter um tamagochi. Só há uma pequena grande diferença. Quando o tamagochi morre, podemos fazer reset e começar a jogar novamente. Com um doente com Ela, ... GAME OVER

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Uma semana de férias

Há muito tempo que não escrevo no meu blog, por isso hoje vou obrigar-me a escrever apesar de não me apetecer. Talvez pelas férias ou por este Outono antecipado estou preguiçosamente melancólico. Como é preciso contrariar este estado de espírito toca a por mãos à obra.

Tivemos uma bela semana no Algarve, no Hotel Algarve Casino. Para isso muito contribuiu o meu amigo Albano, Director Geral do Hotel. O meu estado físico já obriga a pensar duas vezes antes de sair de casa e a planear muito bem as coisas. O Albano conseguiu uma cama articulada e o quarto 250 do Hotel, tem uma casa de banho preparada para receber pessoas com mobilidade condicionada. Para além disso, tive todo o apoio da equipa do Hotel, no que diz respeito a ajuda para banhos na piscina. Claro que também levei o Luís, caso contrário seria impossível. Foi bom estar em família, descansar e usufruir do sol do Algarve. O bar do Hotel tem uma varanda debruçada sobre a piscina de onde se avista toda a praia da Rocha. Assistir ao por do sol ali, é um espetáculo fantástico. Os raios de sol alongam-se sobre o mar, conferindo-lhe uma tonalidade alaranjada. É bom ficar ali a tomar uma bebida e a pensar em nada, com os sentidos embriagados por tanta beleza.

Mesmo em frente ao Hotel a pizzaria La Dolce Vita é paragem obrigatória. Tem óptimas pizzas, massas e risottos. Além disso tem um serviço eficiente apesar de estar sempre cheio. Comigo tiveram muitas atenções, tendo em conta a necessidade de me colocar em mesas favoráveis às manobras necessárias para estacionar a cadeira de rodas. O bom da praia da Rocha é que de um lado temos a praia e a piscina, e do outro uma rua que se pode dividir em dois: o lado tranquilo, à frente do hotel e o lado da confusão onde ficam os bares. Ali temos o melhor dos dois mundos e de fácil acesso para cadeira de rodas. A parte pior é o acesso à praia, que só pode ser feito por escadas ou através de uma rampa impossível para cadeiras de rodas. Em alternativa pode-se ir de carro até à marina e ai entrar na praia. É pena. Se a praia fosse acessivel teria arriscado um banho de mar. Como não é, fiquei-me pela piscina que é bem boa. De água salgada e com temperatura a 26, 27 graus.

Foi durante esta semana que casualmente encontrei na net uma noticia relativamente a uma descoberta sobre a ELA. Aparentemente foi descoberto um mecanismo comum a todos os tipos de ELA. O colapso dos sistemas de reciclagem  celular nos neurónios da medula e do cérebro de pacientes com ELA resultam na perca da sua capacidade de transportar sinais do cérebro para o sistema muscular do corpo. Sem esses sinais, os pacientes gradualmente estão privados da capacidade de se mover, falar, engolir e respirar. Foi descoberto uma proteína chave, o ubiquilin2, que tem funções reparadoras dos neurónios danificados. Quando o ubiquilin2 falha, dá-se essa reacção em cadeia que leva à doença. A compreensão deste mecanismo poderá levar ao desenvolvimento de medicamentos mais eficazes. Ainda não tive oportunidade de questionar o professor Mamede de Carvalho sobre esta noticia, mas acredito que se trate de um passo importante. Esta noticia pôs-me a pensar. Eu que já tinha as ideias todas arrumadinhas de repente fiquei sobressaltado. «Epá, e se descobrissem qualquer coisa, será que ainda ia a tempo?». É melhor não ficar entusiasmado demais, mas ir seguindo este assunto com atenção. Antes de ir de férias vi uma daquelas reportagens a seguir ao telejornal, sobre o tema da felicidade. Alguém dizia que podemos ser felizes em qualquer circunstancia desde que tenhamos a cabeça organizada. Pois é, o meu caso. Consigo ser feliz com as minhas perspectivas porque tenho as ideias arrumadas. Esta noticia desarrumou-me um bocadinho. Vozes levantaram-se dentro da minha cabeça. De um lado os activistas rejubilavam com a noticia. «Isto agora é que vai ser», diziam. «Finalmente um caminho para a cura». Do outro lado os pacifistas recomendavam calma. «Mesmo que a descoberta seja importante demora muitos anos até haver um medicamento eficaz». Tive que intervir. Meus senhores não vale a pena uma discussão tão grande num espaço tão pequeno. Ainda me rebentam a cabeça. Vamos parar com isto porque já me chegam os problemas que tenho. Mesmo assim havia relutância em acatar as minhas instruções. Vamos lá voltar à lógica de um dia de cada vez. Até haver desenvolvimentos mais claros sobre esta descoberta estamos proibidos de fantasiar sobre a mesma.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Regressos

Na sexta feira resolvi ir jantar ao restaurante Monte Mar. Há muito tempo que não ia a este restaurante. É claro que não é um tipo de restaurante que eu possa ir sempre que me apetece, mas a perspectiva de jantar junto ao mar num final de tarde agradável abriu-me o apetite. Como os dois mais novos estavam num campo de férias, tudo se conjugava para convidar as patroas lá de casa (a minha mulher e a mais velha) para um jantar agradável. Para aproveitar a luz do dia decidi ir cedo. Pedi ao Luís para nos levar. Quando chegamos ao restaurante que fica na estrada do Guincho a escassos minutos de casa, estacionámos mesmo à porta para facilitar a minha saída.O porteiro ajudou a coordenar a manobra com sinais amplos e precisos, fazendo lembrar aqueles senhores que fazem sinais aos aviões na pista do aeroporto. Estava um final de tarde um pouco ventoso. Decidimos não ficar na esplanada, mas sim no recato do interior do restaurante. Encostados à janela com uma vista de mar de cortar a respiração, e da qual nunca me canso. Fomos calorosamente conduzidos à nossa mesa. O empregado teve o cuidado de virar a mesa para facilitar a minha acomodação. Com a cadeira de rodas é sempre necessário fazer algumas manobras. Eram oito em ponto. Pedi ao Luís para voltar mais tarde para nos apanhar. A carta veio rapidamente e com ela um conjunto de sugestões fornecidas por quem nos servia. Comecei com um creme de marisco e a minha mulher com uma sopa de peixe. Fácil de comer para quem tem ELA e muito bom. O creme vinha numa taça e bastante quente. O empregado tomou a iniciativa de trazer um prato de sopa para arrefecer mais depressa. Talvez para a próxima acrescente duas gotas de tabasco uma vez que gosto dele um pouco mais condimentado. Depois a minha mulher e a minha filha comeram uns filetes com arroz de berbigão. Divinais. Os filetes desfazem-se na boca como uma nuvem de sabor. De chorar por mais. Eu fui um pouco mais arrojado e comi uma gamba grelhada. Para finalizar um gelado do santini para mim e apfeltstrudel com gelado de baunilha para as senhoras. O apfeltstrudel vem num carrinho e é cortado à nossa frente. Depois é servido quente com uma bola de gelado. Muito bom mesmo!

Às 21:30 já estava um pouco inquieto com dores nas costas. O Luís não demorou a vir. Pedimos a conta. O preço foi muito razoável para um restaurante desta qualidade. Gostei muito da comida mas sobretudo do serviço atento e disponivel para ajudar com pequenos gestos quem precisa de ser ajudado.

Nessa mesma tarde de sexta feira tinha ido com o Luís a Alvalade, comprar bilhetes para a estreia do Sporting na liga. Alem disso queria ver qual o circuito que iria fazer no dia seguinte até ao lugar de deficientes motores. Era importante para mim perceber se o acesso era fácil ou não. No Sábado saímos de Cascais duas horas antes do jogo. Estacionámos o carro num lugar de deficientes no piso menos um na garagem do estádio. Logo ao pé tem um elevador que nos leva ao multidesportivo. Depois é necessário fazer um percurso interno através de uma rampa para apanhar um novo elevador até ao segundo andar. Aí somos recebidos por um segurança que nos conduz ao topo da bancada MEO onde estão os lugares de deficientes. É fácil o acesso  e sem confusão. Foi bom voltar a ver o Sporting ao vivo. O ano passado não vi nenhum jogo em Alvalade. A equipa também não mereceu a presença dos adeptos. É estranho ver um jogo de futebol ao vivo sem nos podermos mexer, e sem puder gritar. O futebol é uma coisa que se exterioriza muito, sobretudo no estádio onde as emoções estão bem à flor da pele. Estou imóvel a ver o jogo mas cá por dentro estou a fervilhar de emoções e a vibrar com o que se passa à minha volta. Apesar do empate foi bom voltar a Alvalade.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Ser ou não ser

Alguns amigos meus, e até pessoas que eu não conheço, tem-me  dito ou escrito, que me acham muito corajoso pela forma como lido com a doença. Lamento muito desapontá-los, mas não se trata de coragem, mas sim falta de alternativas. Há um ditado popular que diz que, «o que não tem solução solucionado está». No caso desta doença como não há soluções o problema está resolvido e não adianta piorar as coisas. Corajoso seria se tivesse alternativas viáveis para lidar com a doença de outra forma. Se tivesse uma doença curável podia-me dar ao luxo de ficar desesperado, ou até de me vitimizar. Talvez a coisa pegasse. Seria uma boa maneira de manter o meu espírito ocupado. Mas com ELA nada resulta. Como tal não se trata de ser ou não ser corajoso, trata-se apenas da única forma possível de viver o tempo que tenho, seja ele qual for. Há outro ditado que diz que «enquanto o pau vai e vem folgam as costas». Este é profundamente brutal. Imagino um tipo nos calabouços de um qualquer regime totalitário a levar pauladas nas costas, todo contente porque no momento em  que puxam o pau atráz para lhe bater, ele está a descansar e a pensar que durante aquele segundo, ao menos não lhe estão a infligir mais sofrimento. É de grande tenacidade. Podem corromper o corpo mas não conseguem tocar na alma. Também os doentes com ELA levam pauladas todos os dias. Pauladas sem dor física, mas pauladas com dor psicológica. Ou seja não sentimos a pancada, mas sentimos o efeito da pancada, que é o enfraquecimento constante do nosso corpo. É perder forças até um limite, onde não pensávamos ser possível perder. Felizmente isto é  no domínio físico porque no outro lado as forças continuam intactas. Nada a fazer. Apenas continuar a lutar. Coragem? Não! Atitude? Talvez.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Locomotiva

Se um desgraçado tiver o azar de ser atropelado numa passadeira e lhe for amputada uma perna, passa a ser um perneta, vulgo um deficiente motor. Em surdina comenta-se a pouca sorte do pobre diabo. Se na semana seguinte, este mesmo pouco afortunado ser, ganhar o euromilhões, deixa de ser um perneta para passar a ser um milionário. Aqui neste caso a deficiencia fisica concorre para a valorização do individuo. Entre paredes pensa-se, e às vezes não se diz, a sorte que aquele tipo teve. O gajo é deficiente, mas é rico como um Sultão das Arábias. O feito causa admiração. Também o gande fisico Inglês Stephen Hawking é mais conhecido por ser o mais brilhante cerebro a seguir a Albert Einstein do que por ter ELA. Concordo que a qualidade das nossas vidas deva ser medida pelas coisas boas que nos acontecem, e não pelas coisas más. Aquilo que valorizamos como positivo, serve de locomotiva que puxa todo um conjunto de carruagens. Quando nos acontece algo de menos bom, não há razão para a locomotiva deixar de fazer o seu trabalho e continuar a puxar as carruagens. Mesmo que haja avarias na engrenagem, estas podem e devem continuar a ser puxadas. Hawking é um bom exemplo disto. Nascido em 1942 cedo veio a descobrir que tinha ELA.
Entrou, em 1959, na University College, Oxford, onde pretendia estudar matemática. Como não pôde, por não estar disponível em tal universidade, optou então por física, formando-se três anos depois. Obteve a graduação de doutorado na Trinity Hall em Cambridge no ano de 1966, onde é atualmente um membro honorário. Nesta época foi diagnosticada em Stephen W. Hawking a doença. Depois de obter doutoramento, passou a ser investigador e, mais tarde, professor nos Colégios Maiores de Gonville e Caius. Depois de abandonar o Instituto de Astronomia em 1973, Stephen entrou para o Departamento de Matemática Aplicada e Física Teórica tendo, entre 1979 e 2009, ano em que atingiu a idade limite para o cargo, ocupado o posto de professor lucasiano de Matemática, cátedra que fora de Newton, sendo atualmente professor lucasiano emérito da Universidade de Cambridge.
 
Casou-se pela primeira vez em Julho de 1965 com Jane Wilde, separando-se em 1991. Seu segundo casamento realizou-se com sua enfermeira - Elaine Mason - em 16 de Setembro de 1995. Hawking continua combinando a vida em família (seus três filhos e um neto) e sua investigação em física teórica junto com um extenso programa de viagens e conferências.

A doença foi detectada quando tinha 21 anos. Em 1985 teve que submeter-se a uma traqueostomia em decorrência do agravamento da ELA após ter contraído pneumonia e, desde então, utiliza um sintetizador de voz para se comunicar. Gradualmente, foi perdendo o movimento dos seus braços e pernas, assim como do resto da musculatura voluntária, incluindo a força para manter a cabeça erguida, de modo que sua mobilidade é praticamente nula. Foi nomeado pelo papa João Paulo II membro da Pontifícia Academia das Ciençias. Em 1993, participou de episódio da série Star Trek - A Nova Geração em cena em que é um holograma, conjuntamente com Newton e Einstein, jogando cartas com o personagem Data.
Em 1994, participou da gravação do disco do Pink Floyd, The Division Bell, fazendo a voz digital em "Keep Talking". Fez algumas participações em Os Simpsons, Futurama, O Laboratório de Dexter, Os Padrinhos Mágicos, no cartoon Dilbert e em Superhero Movie. Recentemente fez uma participação numa propaganda do Discovery Channel chamada Eu amo o Mundo, onde ele disse "Boom De Ya Da". A locomotiva nunca deixou de puxar.

Fonte Wikipedia

http://pt.wikipedia.org/wiki/Stephen_Hawking

terça-feira, 12 de julho de 2011

A Taça Onyria Golf Solidário

Foi já há algum tempo que pensei em propor a organização de um torneio de golfe com a receita a favor da APELA. Quando falei da ideia ao João Pinto Coelho, esta foi aceite de imediato. Aliás, sem a generosidade e a colaboração do Grupo Onyria, não era possível realizar este projecto. Foi-nos cedido o campo de golfe, e melhor que tudo a capacidade organizativa do Grupo em todas as vertentes: jogo, relação com sponsors, imagem, comunicação. É o que se chama abrir as portas à solidariedade, neste caso para com a APELA, que é uma causa que me diz muito.

 Apesar de ter todas as condições  para o sucesso a escassos dias do torneio, ainda não sei se vou conseguir atingir os objectivos que tinha delineado. Isto deve-se sobretudo à crise. Quando se pede um patrocínio financeiro às empresas, a resposta é quase sempre um não. Eu bati a muitas portas. E bati a portas grandes. Fiquei a saber que a CGD, a Galp, a PT, a Vodafone , a Sonae e a Siemens estão muito pior do que a Agência Moody's diz. Também imagino que não possam responder afirmativamente a todos os pedidos que devem ser imensos. Não faz mal. A Taça Onyria Golf Solidário faz-se na mesma e vai ser um sucesso. A Mercedes Benz Comercial disse presente, tal como a Molaflex, a Nevada Bob's a Unique Spa, a Impresa, a Prime Drinks, a Pernod Ricard, a Spal, a Aluga Aqui, a Interutil, a Anditec, a Saint Gâteau Chocolatier e a Nextiraone. Para estes o meu muito obrigado pela solidariedade. Nem todos contribuíram financeiramente mas ao contribuírem com ofertas estão a ajudar a organização da mesma maneira. Não é fácil organizar um torneio nessa altura. Muitos rumam ao sul e não estão disponíveis para vir jogar ou para participar no almoço. Alguns apesar de não poderem estar presentes já me transmitiram o seu apoio e a vontade de contribuir para a APELA. Bem hajam pela vossa generosidade!

Neste contexto da minha vida, já decidi que me vou dedicar inteiramente a 3 coisas: obviamente à família, a ajudar em tudo o que puder no projecto de Palmares, e a colaborar com a APELA em tudo o que for possível. Para fazer estas 3 coisas bem, não me deve sobrar muito tempo para me entregar ao sofá e à televisão, inimigos perversos  de qualquer pessoa com mobilidade reduzida. Já agora, acrescento à lista continuar a partilhar o que me vai na alma, aqui neste cantinho chamado blog.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O cão de Pavlov

Ivan Pavlov, prémio Nobel da medicina em 1904, ficou conhecido por uma experiência que teria grande influencia no desenvolvimento da psicologia comportamental. Pavlov reparou que o seu cão salivava antes de comer. Começou então a associar estímulos sempre que alimentava o seu cão. Ao tocar uma campainha, ou pôr uma determinada musica sempre que alimentava o cachorro, verificou que o animal salivava mesmo antes de visualizar os alimentos. A produção de um estimulo, condicionava um reflexo por parte do animal. A vontade de comer, ou perceber que seria alimentado de imediato, provocava a mesma reacção que tinha perante a comida.

Também os doentes com ELA salivam muito. Dizem os médicos que a dificuldade na deglutição provoca um aumento da saliva na boca. Também o relaxamento dos músculos da face origina a perda de saliva pelos cantos da boca. O que não se sabe ainda, e Pavlov já não está cá para nos testar, é porque salivam tanto os doentes que sofrem desta patologia. Na minha opinião, tal como no cão de Pavlov, estes reagem a estímulos. A família os amigos, a natureza, o sol, a chuva, o ar que respiram, são estímulos que os fazem querer viver. Está desvendado o mistério. Os ELAS salivam pela vida. Esse é o seu grande estimulo.

No caso do canideo é fácil perceber que este era uma cobaia do cientista. Em nome do progresso da ciência utilizou-se o cachorro e chegou-se a conclusões importantes. Este, espertalhão fazia a vontade ao dono e deixava-se salivar. «Toma lá, porque o que eu quero é comer», pensava o cão. No caso dos ELAS, já cheguei à conclusão que reagimos aos estímulos e que salivamos não pela comida, mas pela vida. Só não tenho a certeza de quem é que somos cobaias. Atendendo à dimensão da coisa, só posso admitir que somos cobaias do Criador. Será que o Universo se uniu para nos tramar? A que conclusão quer o Criador chegar ao utilizarnos como parte da sua experiência? A resposta a esta pergunta não é óbvia. Decidi raciocinar por tentativas e encontrar uma resposta que me parecesse a mais lógica. Então, a primeira que me veio à cabeça foi sermos cobaias porque o Criador é poderoso. Reflecti um pouco e rejeitei esta hipotese de imedato. O Criador não precisa de demonstrar o seu poder desta maneira. Como segunda hipotese pensei no livre arbitrio. Ele não se mete nisto, e tal como no euromilhões, calha a quem calhar. Parece-me muito lógica mas injusta. Lá no fundo da minha cabeça estava guarda aquela que me agrada mais. Mostrar aos demais a importância da vida. Agora que ela anda tão mal defendida na legislação, e tão pouco respeitada no dia a dia da cidades e dos conflitos entre países. Olhem para nós! Estamos aqui a sofrer mas mesmo assim queremos aproveitar esta dádiva do Criador. Como ousam vós desperdiçar a vida? Se for para demonstrar isto, pelo progresso, não da ciência como no cão de Pavlov, mas do valor da vida e do Homem, valeu a pena ser cobaia do Criador.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Yes, we can!


Este foi o lead da campanha de Barack Obama para as presidenciais dos EUA. Não sei se o «nós» dele é o mesmo que o nosso, mas sim, eu confirmo que nós podemos.
Quando digo “nós”, refiro-me ao universo de pessoas que têm “ELA”. Para comprovar isto, vou-vos contar o meu dia de terça feira, 21 de Junho. De manhã, arrisquei uma ida à praia. Já o tinha pensado na véspera. A chegada do Verão, despertou em mim o desejo de ver o mar, o sol e areia fina. Combinei com o Luís para que ele viesse mais cedo buscar-me. Pensei qual seria a praia com melhor acesso e decidi-me pelo Tamariz. Entrámos pela rua de trás e estacionámos o carro no lugar de deficientes a escassos metros do paredão.O acesso é fácil. Optei por ficar numa esplanada à esquerda do Tamariz, mesmo em frente ao mar. Pedi ao Luís para reclinar a cadeira  e pôr-me protector solar. Pedi um shandi para ir “molhando o bico”! Estava calor! Deixei-me afundar na cadeira enquanto pensava que isto é que é vida! Cheirava-me a mar, a praia e a protector solar… Enquanto fechava os olhos, ouvia a as ondas a baterem nas rochas e as vozes de muitas pessoas que falavam desordenadamente entre o denso maralhau que povoava a praia. Deixei-me estar. A gozar o momento. Soube-me ao mesmo quando vinha à praia e não estava doente. Ainda pensei alugar uma espreguiçadeira mas como ia ficar pouco tempo, decidi deixar para outro dia. A praia estava muito limpa. Caixotes do lixo em vários pontos e uma equipa de jovens com uma T- Shirt onde se podia ler “Marés Vivas”. Recolhiam os sacos já cheios de lixo ou ajudavam as crianças das escolas. Tinham também um posto de informação. Pareceu-me uma coisa civilizada e uma boa ideia para ocupar jovens nos tempos livres das férias. O sol queimava. Fui bebendo o meu shandi e olhando em volta. Como era um dia de semana, estava-se muito bem! Crianças das escolas, jovens em férias, reformados, todos eles, deviam fazer parte da assídua plateia que frequenta aquela praia durante a semana. Gostei tanto que vou voltar. Apesar do esforço que é preciso fazer para as  transferencias do carro para a cadeira de rodas e vice-versa, é largamente compensador viver estes momentos. Refrescam-me a alma.  Revigoram-me o espírito. Como consequência, isso também se transmite ao corpo. Este corpo rebelde, que se recusa a receber ordens de quem o comanda.

Aproximava-se a hora do almoço. Disse ao Luís para nos apressarmos pois tinha combinado um almoço no Onyria Marinha com dois amigos e ex – colegas da Escola de Hotelaria do Porto. Quando cheguei, já o Tomico (é assim que chamamos ao António Albuquerque desde os tempos da Escola) se encontrava no Bar à minha espera. Eu de calções de banho e pólo. Como um Turista em férias. Ele, de calça, blazer e camisa com um ar de quem vai trabalhar. Como o Paulo Mesquita, vinha de Óbidos, da Praia d´el Rey e estava um pouco atrasado, fomos avançando. Escolhemos uma mesa no exterior do restaurante numa zona fresca, à sombra porque o sol apertava àquela hora. Comecei com uma sopa apesar do calor porque é uma comida muito fácil de deglutir. O Tomico acompanhou. Depois, pataniscas com arroz de tomate para mim e Strogonoff  para ele. Fomos conversando sobre a empresa dele, sobre colegas do tempo da escola e sobre a viagem do dia seguinte. Entretanto, chegou o Paulo Mesquita que alinhou nas Pataniscas. A conversa andou à volta profissão,  do Grupo Onyria, da minha doença e existência de Deus. Terminámos com café e pavet de chocolate. O tempo voa. Foi bom rever esta malta e sentir que tenho o apoio deles. Eu sei que estão a torcer por mim, nesta luta desigual. É uma luta tipo David contra Golias. Mas se contabilizar todos os apoios que tenho sentido à minha volta o resultado inverte-se. No futebol num jogo a duas mãos, quando empatam, jogam o prolongamento. É  isso que eu estou a jogar agora. O prolongamento. E quero obrigar a doença a ir a penaltis. Nos penaltis, dizem os comentadores da bola, qualquer um pode ganhar.

Depois do almoço, tinha previsto fazer uma das coisas que mais gosto de fazer: acompanhar o meu filho no seu treino de golf. O início deste desporto para o Henrique coincidiu com o desenvolvimento da minha doença. Como era um desporto fácil de acompanhar pois podia estar no bugie e dar-lhe instruções, rapidamente passou a  ser um dos nossos desportos favoritos. Já não podíamos jogar futebol mas eu podia acompanhá-lo nos jogos de golf. A evolução do Henrique neste desporto foi rápida, o que o levou a começar a jogar o campeonato nacional de escolas, também conhecido como Circuito Drive. Como tinha um Campo sempre à mão, um Driving Range onde podia treinar, e o Jorge Rodrigues Profissional de Golf, trabalhou muito nesta modalidade em 2009. Eu, nesta fase inicial da minha doença, era um pai treinador, completamente idiota! «Alinha à esquerda, olhos na bola, os pés não estão bem, faz o swing como deve ser». Eram tantas as instruções, que eu não sei como é que não transformei um miúdo com potencial para jogar, num anti-golfista. Atribuo este comportamento ao desgaste psicológico que a doença me causou nesse ano e à ansiedade em projectar no meu filho um sucesso que eu não podia ter. Felizmente, ele aguentou tudo isto. Em silêncio. Quase nunca se queixava. Hoje é diferente. Quero que o Golf seja um divertimento para ele e para mim. E quero que jogue e treine porque tem vontade e gosto em jogar.Substitui a crítica dura pelo elogio., mesmo quando os shots não saem bem! Isto dá resultados. Mais motivação, mais diversão, mais vontade em jogar mas, sobretudo, um tempo mais bem passado com o meu filhote, sem crispações perfeitamente inadmissíveis, nem arrelias! Afinal de contas, o mais importante, é que ele seja feliz. Passámos uma tarde muito agradável, no meio do imenso verde do campo. Yes we can! 

terça-feira, 21 de junho de 2011

Hoje, penso…



Fui eu! Podias ter sido tu! Ou tu. Ou talvez mesmo tu!
Porque a ELA existe. Não escolhe idade, sexo, raça, ou religião.
Mas ninguém acredita, até lhe acontecer a si mesmo.

Hoje, é dia mundial da ELA.
Hoje, penso naqueles que sofrem esta terrível doença.
Hoje, penso naqueles que têm a doença e não têm o apoio e o carinho das suas familias.
Hoje, penso naquelas familias em que o doente perdeu o emprego e o familiar que cuida dele teve que deixar de trabalhar.
Hoje, penso nas crianças que veem um pai ou uma mãe ficar prisioneiro dentro de si próprio.
Hoje, penso no muito que é preciso fazer para apoiar os doentes com ELA. Fazer cumprir as leis que o Estado cria e que é o primeiro a não cumprir. Mudar mentalidades. Derrubar barreiras sociais.
Hoje, penso que num mundo tão altamente tecnologico, a tecnologia podia e devia estar ainda mais ao serviço dos doentes.
Hoje, penso que somos muitos, mas somos poucos para que a ciência descubra um caminho. Desde Lou Gherig, em 1938, o Homem já foi à Lua, inventou o telemóvel, o computador, a internet, a cura para muitos cancros, o controlo de doenças como a sida. Os cientistas querem, mas estão sózinhos.

Por isso, junta-te a nós e passa a palavra. Ajuda-nos a gritar ao mundo que a ELA existe. Junta-te à APELA e ajuda-nos a ajudar. Empurra esta ideia. Dá voz aos que não têm voz. Dá ânimo aos que o perderam. Dá força àqueles que não sabem onde a ir buscar.

Porque, a luz existe.
Porque o sol brilha.
Porque as crianças sorriem.
Porque há vida depois da ELA.
Porque enquanto há vida… há esperança.   

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O dia da ELA

No Sábado dia 18 de Junho, fui ao dia da ELA, no auditório Fernado Pessa em Lisboa. A Conceição da APELA, tinha-me pedido para falar um pouco sobre a minha experiencia com a doença, baseado nos posts que tenho publicado no meu blog. Fui recebido calorosamente e encaminhado para o auditório. Cheguei, já os trabalhos decorriam. Do programa constava entre outros a comunicação da Drª Susana Pinto. É sempre um prazer ouvir a Drª Susana Pinto, porque esta explica tudo muito bem. Falou dos medicamentos em teste e das diferentes vias para encontrar uma solução. A sensação com que fiquei, é que de facto há muita coisa a ser feita, mas que ainda não encontrámos o caminho certo para a investigação. Enfim, há que manter a esperança de que alguma luz ao fundo do tunel se possa vislumbrar. De seguida falou o Enfº xxx da Linde. A sua comunicação incidiu sobre o excelente trabalho que esta empresa presta ao apoiar os doentes com insuficiencia respiratória. Considero o interface existente entre a consulta de Esclerose Lateral Amiotrofica e a Linde, como um exemplo a replicar pelo pais. Quando chegou a minha vez de falar, não tinha nada preparado. Optei por improvisar. Ao fim ao cabo, trata-se de falar de uma realidade que infelizmente conheço bem. O Jorge Freire e o Diamantino Lourenço, tambem prepararam intervenções com muito interesse sobre as suas experiencias com a ELA. Gostei muito da leitura de excertos dos livros da Rosário Sarabando, da Tecas e da São. O livro da Rosário, já conhecia e já tive o prazer de o ler e de beber a força daquela mulher. Os outros não conhecia, mas percebi que foram escritos com alma e coração. Hilariante aquela descrição no livro da São, da viagem em sidecar até ao Algarve. Fez-me imaginar toda a situação e não consegui conter algumas gargalhadas pelas situações e emoções que descreve com um humor contagiante. A Maria José, dias antes do encontro tinha-me enviado uma mensagem em que me falava do livro da Tecas, dizendo que me levaria um exemplar para eu ler. Pois eu cara amiga já o comecei a ler.

Depois das palestras veio a melhor parte. Um convivio e um lanchinho muito simpatico. A parte do convivio foi tão intensa que nos fez esquecer que ainda havia uma banda de musica arranjada pela Sylvie, para ouvir. Foi pena mas depois de trincar os salgadinhos  e de começar a tagarelar aqui e acolá já ninguem nos arrancava dali. Nem que tivesse pernas, quanto mais rodas. Ir a estes eventos, faz-nos sentir vivos. Como já escrevi num post anterior, cria-se uma grande solidariedade entre os doentes que tem ELA. É quase como familia. No fundo é uma afirmação e um testemunho publico de que estamos cá para a luta. Porque ir e participar já é um sinal de vitalidade. Gostei muito de conhecer o Pedro Monteiro e a sua queridissima familia. O Pedro é um campeão, que deu muito à APELA. É um exemplo de esforço e de luta contra a doença. São estes herois que tenho conhecido recentemente, que verdadeiramente me inspiram e preenchem a minha vida. Felicito a APELA pela organização destas jornadas.

No dia 17 ouvi na TSF a entrevista da Profª Anabela Pinto. Como notas de destaque desta entrevista, sublinho algumas das coisas que foram ditas. As doenças raras representam cerca de 8% das doenças. Isto significa que no seu conjunto afectam muita gente. A Profª Anabela enfatizou a evolução que houve nos cuidados prestados aos doentes com ELA. «Há 20 anos ninguem perdia 5 minutos com estes doentes. Fazia-se o diagnostico e vinham para casa para morrer.» Felizmente que as coisas evoluiram e isso tem reflexo no aumento da sobrevida dos doentes. Explicou ainda que mais do que  uma doença do individuo, da familia, dos médicos, a ELA é uma doença da sociedade porque implica muitos recursos. A ELA é uma doença aleatoria e de sintomatologia diversificada. Esta é uma das razões que explicam a dificuldade de diagnostico. Foi bom ouvir uma voz tão esclarecida numa rádio de expressão nacional.

Já saiu a Newsletter da APELA, coordenada pela Sylvie. Parabéns Sylvie. Tem muita informação e muito que ler.

Deixo o link para a entrevista com a Profª Anabela Pinto
http://www.youtube.com/watch?v=gDaJUrZRzf8

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Uma aventura nos Hospitais Portugueses.

Este podia ser o titulo de mais um livro da colecção Uma Aventura, das autoras Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães. Nos últimos 3 anos, tirei uma Licenciatura, um Mestrado e um Doutoramento no «Curso de Utente Hospitalar», pelos piores motivos, claro está! Talvez seja interessante partilhar a visão que fui adquirindo ao longo deste meu "percurso académico", com quem nunca teve que frequentar esta Universidade da Vida.

No inicio da doença, fui ao John Radcliff Hospital, em Oxford. Também tive oportunidade de ir a Bruxelas, à Universidade de Louvain. Em ambos os casos, fiquei impressionado pela qualidade e funcionalidade dos edifícios, nomeadamente, no que diz respeito à acessibilidade para os doentes e familiares. Fazendo um bocadinho o paralelo com os dois Hospitais portugueses que melhor conheço, o Hospital de Santa Maria e o Hospital de S.José, qualquer comparação seria uma afronta para os primeiros. Por exemplo, estacionar no Hospital de S.José, é verdadeiramente caótico e, note-se, estou a falar em estacionar um veículo que tem o respectivo dístico visível e que é concedido àqueles que têm mobilidade reduzida. Como os lugares disponíveis a quem possui estas características são pouquíssimos, é quase impossível conseguir-se estacionar e, conseguir chegar a tempo à consulta. Temos então outra alternativa: parar temporariamente o veículo à frente dos serviços para que o utente possa sair do carro e ser sentado na sua cadeira de rodas. Ora, isto só se consegue após uma troca de galhardetes com os zelosos seguranças da instituição. Estacionado o dito veículo "prioritário" passa-se à dificuldade seguinte. As ruas são estreitas e íngremes o que dificulta a entrada e a saída dos doentes. Os passeios não têm rampas. Chegados às Consultas Externas, passa-se à nova etapa desta epopeia: fazer a admissão nas consultas, junto dos serviços administrativos. Aqui há, mas não há atendimento prioritário. Todos os utentes são tratados de igual forma, não obstante as gritantes diferenças entre os vários tipos de doenças. Se tivermos o azar de ter a consulta em hora do pequeno almoço dos funcionários a admissão pode levar algum tempo. Dos 3 ou 4 postos disponivéis, já apanhei apenas 1 a funcionar, porque o staff estava em período de pausa. Nestas circunstâncias, havia uma só pessoa para despachar todo o serviço. Desconheço o contrato colectivo de trabalho que regulamenta as relações laborais entre a entidade empregadora (vulgo, o Estado) e os respectivos funcionários públicos. Contudo, a minha imaginação fez-me transportar para a (minha) realidade do turismo e da hotelaria. Imaginem chegar a um Hotel e não haver funcionários para fazer o check-in, tão somente porque estão na pausa para o cigarro e para o café ou porque foram à pastelaria ali da frente. Imaginem, simplesmente, porque não é possível. Provavelmente os funcionários da recepção do Hotel não ganham mais do que os da recepção do Hospital. Estamos a falar de um sector de actividade que tem uma cultura de serviço e exigência e de um outro que nem por isso. Lembro-me, um dia,  que estive à espera que a funcionária acabasse de falar ao telemóvel, para depois me atender como se fosse a coisa mais natural do mundo. Será que não há chefes de serviço com dois dedos de testa? Quando se trabalha, não se trata de assuntos privados e quando se atende o público não se fala ao telemóvel, mesmo que seja o dia de aniversário, como era o caso daquela funcionaria.
As instalações físicas do Hospital de S.José são deprimentes. O conjunto de edifícios é velho, mas não é por ser velho que é mau. É mau porque está degradado e descuidado. Num país «rico» como o nosso, é mais fácil construir um Hospital novo do que cuidar os que existem. Construir um Hospital novo dá muito dinheiro. Arranjar um Hospital velho custa muito dinheiro. Quem está no poder gosta de mandar construir Estádios, estradas, pontes, hospitais. Quem faz novo, ganha comissões e garante financiamento para o partido da sua cor politica. As empresas de obras publicas, "chefiadas" por ex-Ministros de obras publicas esfregam as mãos de contentamento. Assim vai o nosso pais. Assim chegamos a uma colossal divida pública que a próxima geração vai pagar. Assim chegou cá o FMI. Devia também ter vindo o FBI.

A acessibilidade ao Hospital de Santa Maria é muito melhor. Contudo, o tempo que se demora a arranjar lugar, também não facilita. Há de facto muito poucos lugares para deficientes. Essa situação devia ser revista. Neste Hospital as consultas externas de neuromusculares estão separadas da generalidade das outras consultas. Isto faz com que tudo seja muito mais tranquilo. O edifício de arquitectura típica do Estado Novo, é imponente. Nas zonas onde circulei, pude constatar que se encontra razoavelmente conservado. Quando em Janeiro deste ano tive uma pneumonia, recorri às urgências do Hospital. Pulseira verde, mas vá para a sala amarela, disseram-me. Entrei às 14:00 e sai às 02:00. Das 14:00 às 20:00, estive à espera de ser atendido. A preocupação da Profª Anabela, ao encaminhar-me para as urgências, escrevendo inclusivamente uma carta, contrastou com a descontracção com que me receberam na triagem. Fiquei perplexo. Devo dizer que não invejo o trabalho daqueles médicos que estavam de serviço. De facto não pararam. Não fiquei internado porque não havia camas na neurologia. Ainda bem, pensei eu. Tenho algum pavor de um internamento hospitalar, numa situação critica como a minha. Tem o quê? Esclerose quê? É a múltipla? Não, é a Lateral Amiotrófica! Já ouviu falar? Este é um dialogo recorrente, nos hospitais. Muita gente que trabalha na área da saúde não conhece a doença, e como tal não tem conhecimentos sobre como lidar com um doente com ELA.  Atenção famílias, nunca deixem um doente com ELA sozinho numa urgência hospitalar. Ele pode não resistir. Acompanhem-no sempre. Em baixo transcrevo parte da lei nº 106/2009 sobre o acompanhamento familiar em internamento hospitalar. É um direito que nos assiste.
de 14 de Setembro
Acompanhamento familiar em internamento hospitalar
A Assembleia da República decreta, nos termos da
alínea
Artigo 1.º
c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:
Âmbito
A presente lei estabelece o regime do acompanhamento
familiar de crianças, pessoas com deficiência, pessoas em
situação de dependência e pessoas com doença incurável
em estado avançado e em estado final de vida em hospital
ou unidade de saúde.
Artigo 3.º
Acompanhamento familiar de pessoas com deficiência
ou em situação de dependência
1 — As pessoas deficientes ou em situação de dependência,
as pessoas com doença incurável em estado avançado e
as pessoas em estado final de vida, internadas em hospital
ou unidade de saúde, têm direito ao acompanhamento
permanente de ascendente, de descendente, do cônjuge ou
equiparado e, na ausência ou impedimento destes ou por
sua vontade, de pessoa por si designada.
2 — É aplicável ao acompanhamento familiar das pessoas
identificadas no número anterior o disposto nos n.
e 4 do artigo 2.º
Artigo 4.º
os 3
Condições do acompanhamento
1 — O acompanhamento familiar permanente é exercido
tanto no período diurno como nocturno, e com respeito
pelas instruções e regras técnicas relativas aos cuidados
de saúde aplicáveis e pelas demais normas estabelecidas
no respectivo regulamento hospitalar.
2 — É vedado ao acompanhante assistir a intervenções
cirúrgicas a que a pessoa internada seja submetida, bem
como a tratamentos em que a sua presença seja prejudicial
para a correcção e eficácia dos mesmos, excepto se para
tal for dada autorização pelo clínico responsável.

Aconselho uma leitura atenta a esta lei. Não a transcrevi toda.

Tenho para mim que o melhor dos hospitais são os médicos, enfermeiros e auxiliares. Nesta área temos felizmente médicos que são tão bons ou melhores do que os estrangeiros. Tenho para mim que o pior dos hospitais são as administrações, ARS e a tutela. Faz lembrar aquela história dos portugueses que quando vão para o estrangeiro são os melhores do mundo. Porque será? Porque entram num sistema organizado e são bem liderados. Em Portugal isto não é possível no Estado, porque o Estado está partidarizado. Então as chefias,  direcções gerais e administrações são gente filiada em partidos. Como tal acham que não precisam de trabalhar porque tem as costas quentes. Podem ser medíocres à vontade que ninguem os penaliza. Logo dão um pessimo exemplo às equipas que chefiam. Para que o país avance é fundamental tirar os partidos políticos da administração publica. Quem é filiado não pode ser Director Geral ou exercer outros cargos de chefia na administração publica. É assim que devia ser. Teríamos melhor saúde, melhores hospitais, melhor tudo. Sonho com um Portugal assim.


Lei n.º 106/2009