quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Maquina imperfeita

Muitos amigos me pergutam como é ter ELA. Penso que a curiosidade deles reside não na doença em si mas no facto de como se pode viver imovel. A vida é movimento, fluidez, constante devir de sentidos tantas vezes contraditorios. Parar é morrer, costuma-se dizer. Nós somos contra natura. Já paramos mas não morremos. Ou se calhar já começamos a morrer devagarinho. É muito dificil responder á questão de como se sente uma pessoa que não se pode mexer. Ás vezes tento concentrar toda a minha força para mexer um braço. Um, dois, tres, agora... Em vão. O braço não responde. Não se mexe. É como se nunca tivesse sido capaz de se mexer. Quem não tem cão, caça com gato. Como não me consigo mexer tenho de pedir a alguem que me mexa. Uma vez disse a um amigo, para experimentar estar uma hora sentado no sofá sem se mexer. Só  pode mexer os olhos e rodar o pescoço. Se te coçar a vista cerra os olhos com força. Se te coçar o nariz pensa noutra coisa. Se uma mosca não te largar fecha a boca e abana a cabeça bruscamente. Para tudo há soluções mais ou menos satisfatórias. No entanto para um ELA o conforto e o bem estar  são fundamentais. Por isso sou tão chato com os que me rodeiam. Estica a perna, alonga o pé, cruza as pernas, puxa o cotovelo para fora, abre o polegar, levanta a mão, sobe a cadeira, baixa a cadeira, preciso de me levantar e assim sucessivamente. Ás vezes dizem-me: «Cruzar as pernas, mas eu ainda agora as estiquei». Limito-me a acenar com a cabeça. Eu sei que é dificil entender mas já repararam quantos gestos por minuto faz uma pessoa capaz de se mexer? É que quem se mexe não tem consciencia disto. Faz as coisas mecanicamente. O corpo humano é a mais perfeita maquina que existe. Agora compreendo porque é que os manuias de anatomia da minha filha teem tantas paginas. Se o corpo humano viesse com um manual de instruções, este teria concerteza milhares de folhas. Para alem do movimento que estamos sempre a solicitar a quem nos rodeia, existe a questão de coordenação temporal. Este ainda é o conceito mais complexo de entender. Pedi para me esticarem a perna. Quinze segundos depois peço para me coçarem o nariz. Perguntam-me vezes sem conta: «Porque é que não pedes tudo de uma vez»? A resposta é mais uma vez simples de dar mas dificil de explicar. Um tetraplegico não se mexe e não tem sensibilidade. Presumo que para ele seja mais ou menos indiferente ter a mão para cima ou para baixo. Ao contrário um ELA com tetraparesia não se mexe mas tem sensibilidade. Sente dor, calor, frio, enfim todos os estimulos. Por isso à medida que recebe os estimulos do exterior criando-lhe necessidades, pede a quem o rodeia que as satisfaçam. A maquina perfeita transforma-se em maquina imperfeita.

10 comentários:

  1. Obrigada por compartilhar. É tão difícil entendermos as necessidades de quem não está na mesma condição que a gente... muito obrigada por ter feito este esforço da escrita sobre um assunto tão importante.

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  2. Depoimento tão didático quanto fundamental. Tb agradeço por compartilhar.

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  3. Ás vezes sinto-me confrontada com situações similares ;

    -porque pede que a cocem,se ainda agora aqui estivemos?
    Uso de alguma ironia e respondo:
    Ok,todos é que sabemos tudo,por conseguinte,eu quero aprender convosco.Se não pudessem mexer-se e tivessem muita,mas mesmo muita comichão,como fariam?pediam ou não ajuda?
    Pois, não sabem...

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  4. Caro Henrique: Parabéns pela sua lucidez! O modo como nos "explica" o que sente um doente com ELA é melhor do que explicado por um médico, que não está a "sentir" no físico o mesmo que um doente. Há perto de seis meses que "vivo com o coração nas mãos", esperando pela repetição do electromiograma do meu marido, cujos resultados não foram conclusivos e espero que alguns sintomas detectados aquando do primeiro exame estejam somente associados à Doença de Parkinson.Ainda antes de fazer o primeiro exame fui pesquisando até que vim "parar" ao seu blog, que já me fez rir, chorar, mas nunca serei capaz de aceitar, se fôr esse o diagnóstico agora marcado novamente para 10/01/2012. NINGUÉM MERECE UMA DOENÇA ASSIM. Bem haja .

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  5. Henrique, obrigada por partilhar a sua vivência e ajudar quem cuida de alguém com ELA a compreender melhor as necessidades e todo o tipo de situações que podem surgir! Bem Haja! Um abraço

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  6. meu querido, ainda hoje pensava em ti e me perguntava o que se passaria pela tua cabeça e como te sentirias realmente; e tu respondeste-me , como sempre de uma forma tao clara;
    beijos, bia

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  7. O meu pai esteve acamado mais de 10 anos, sem força nem sensibilidade, e estava constantemente a pedir coisas à minha mãe. O meu pai foi um herói, a minha mãe é uma coisa do outro mundo!

    A si, Henrique, e a todas as pessoas que gostam de si e o ajudam a satisfazer as necessidades mais básicas da condição humana, deixo aqui a minha mais sentida admiração...

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  8. continuando Henrique!!! contnuando vamos diariamente tu como tantos de nos companheiros Elaticos, ja dependentes do "coçar do nariz", eu ...ainda coçando e reclamando!!
    Ler esta ancora/testemunho traz-me a lembrança a minha ultima consulta...nao verbalizada ainda!! mas em espera que a inspiraçao adequada chegue!!!
    o que me transtorna ja um bocado eh quando leio esta afirmaçao: "Com que lucidez.."..escreves/explicas/resolves...
    Sei nque nao eh por mal...mas continua subjacente em todos que nos ficamos...tontinhos...pk imoveis, mudos, etc!!!!!!
    um abraço grande Henrique!
    maria jose dias

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  9. Olá Henrique! Compreendo perfeitamente o que aqui escreve... Tenho um familiar que foi diagnosticado E.L.A. em Outubro de 2010, e tem sido tempos dificeis. De momento encontra-se internado no Seviço de Pneumologia, com ventilação não ivasiva 24 horas por dia...
    A E.L.A. é uma doença dificil de compreender, uma vez que afecta o corpo todo, e o doente saber como vai ser daqui para o futuro, pois a parte mental nunca é afectada. Tem surgido alguns estudos, sem sucesso... Há pouco tempo houve um estudo com Seftriaxone que já se encontrava na fase 3 mas por falta de doentes foi suspenso... A pouca investigação que há nesta doença é triste uma vez que tem vindo a aumentar na população mundial...
    Houve uma amiga que me falou no seu blog, então resolvi procurá-lo... Abraço Grande... Continuarei a ver o seu Blog...
    Delfino Ribeiro

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