terça-feira, 16 de agosto de 2011

Regressos

Na sexta feira resolvi ir jantar ao restaurante Monte Mar. Há muito tempo que não ia a este restaurante. É claro que não é um tipo de restaurante que eu possa ir sempre que me apetece, mas a perspectiva de jantar junto ao mar num final de tarde agradável abriu-me o apetite. Como os dois mais novos estavam num campo de férias, tudo se conjugava para convidar as patroas lá de casa (a minha mulher e a mais velha) para um jantar agradável. Para aproveitar a luz do dia decidi ir cedo. Pedi ao Luís para nos levar. Quando chegamos ao restaurante que fica na estrada do Guincho a escassos minutos de casa, estacionámos mesmo à porta para facilitar a minha saída.O porteiro ajudou a coordenar a manobra com sinais amplos e precisos, fazendo lembrar aqueles senhores que fazem sinais aos aviões na pista do aeroporto. Estava um final de tarde um pouco ventoso. Decidimos não ficar na esplanada, mas sim no recato do interior do restaurante. Encostados à janela com uma vista de mar de cortar a respiração, e da qual nunca me canso. Fomos calorosamente conduzidos à nossa mesa. O empregado teve o cuidado de virar a mesa para facilitar a minha acomodação. Com a cadeira de rodas é sempre necessário fazer algumas manobras. Eram oito em ponto. Pedi ao Luís para voltar mais tarde para nos apanhar. A carta veio rapidamente e com ela um conjunto de sugestões fornecidas por quem nos servia. Comecei com um creme de marisco e a minha mulher com uma sopa de peixe. Fácil de comer para quem tem ELA e muito bom. O creme vinha numa taça e bastante quente. O empregado tomou a iniciativa de trazer um prato de sopa para arrefecer mais depressa. Talvez para a próxima acrescente duas gotas de tabasco uma vez que gosto dele um pouco mais condimentado. Depois a minha mulher e a minha filha comeram uns filetes com arroz de berbigão. Divinais. Os filetes desfazem-se na boca como uma nuvem de sabor. De chorar por mais. Eu fui um pouco mais arrojado e comi uma gamba grelhada. Para finalizar um gelado do santini para mim e apfeltstrudel com gelado de baunilha para as senhoras. O apfeltstrudel vem num carrinho e é cortado à nossa frente. Depois é servido quente com uma bola de gelado. Muito bom mesmo!

Às 21:30 já estava um pouco inquieto com dores nas costas. O Luís não demorou a vir. Pedimos a conta. O preço foi muito razoável para um restaurante desta qualidade. Gostei muito da comida mas sobretudo do serviço atento e disponivel para ajudar com pequenos gestos quem precisa de ser ajudado.

Nessa mesma tarde de sexta feira tinha ido com o Luís a Alvalade, comprar bilhetes para a estreia do Sporting na liga. Alem disso queria ver qual o circuito que iria fazer no dia seguinte até ao lugar de deficientes motores. Era importante para mim perceber se o acesso era fácil ou não. No Sábado saímos de Cascais duas horas antes do jogo. Estacionámos o carro num lugar de deficientes no piso menos um na garagem do estádio. Logo ao pé tem um elevador que nos leva ao multidesportivo. Depois é necessário fazer um percurso interno através de uma rampa para apanhar um novo elevador até ao segundo andar. Aí somos recebidos por um segurança que nos conduz ao topo da bancada MEO onde estão os lugares de deficientes. É fácil o acesso  e sem confusão. Foi bom voltar a ver o Sporting ao vivo. O ano passado não vi nenhum jogo em Alvalade. A equipa também não mereceu a presença dos adeptos. É estranho ver um jogo de futebol ao vivo sem nos podermos mexer, e sem puder gritar. O futebol é uma coisa que se exterioriza muito, sobretudo no estádio onde as emoções estão bem à flor da pele. Estou imóvel a ver o jogo mas cá por dentro estou a fervilhar de emoções e a vibrar com o que se passa à minha volta. Apesar do empate foi bom voltar a Alvalade.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Ser ou não ser

Alguns amigos meus, e até pessoas que eu não conheço, tem-me  dito ou escrito, que me acham muito corajoso pela forma como lido com a doença. Lamento muito desapontá-los, mas não se trata de coragem, mas sim falta de alternativas. Há um ditado popular que diz que, «o que não tem solução solucionado está». No caso desta doença como não há soluções o problema está resolvido e não adianta piorar as coisas. Corajoso seria se tivesse alternativas viáveis para lidar com a doença de outra forma. Se tivesse uma doença curável podia-me dar ao luxo de ficar desesperado, ou até de me vitimizar. Talvez a coisa pegasse. Seria uma boa maneira de manter o meu espírito ocupado. Mas com ELA nada resulta. Como tal não se trata de ser ou não ser corajoso, trata-se apenas da única forma possível de viver o tempo que tenho, seja ele qual for. Há outro ditado que diz que «enquanto o pau vai e vem folgam as costas». Este é profundamente brutal. Imagino um tipo nos calabouços de um qualquer regime totalitário a levar pauladas nas costas, todo contente porque no momento em  que puxam o pau atráz para lhe bater, ele está a descansar e a pensar que durante aquele segundo, ao menos não lhe estão a infligir mais sofrimento. É de grande tenacidade. Podem corromper o corpo mas não conseguem tocar na alma. Também os doentes com ELA levam pauladas todos os dias. Pauladas sem dor física, mas pauladas com dor psicológica. Ou seja não sentimos a pancada, mas sentimos o efeito da pancada, que é o enfraquecimento constante do nosso corpo. É perder forças até um limite, onde não pensávamos ser possível perder. Felizmente isto é  no domínio físico porque no outro lado as forças continuam intactas. Nada a fazer. Apenas continuar a lutar. Coragem? Não! Atitude? Talvez.