segunda-feira, 27 de junho de 2011

Yes, we can!


Este foi o lead da campanha de Barack Obama para as presidenciais dos EUA. Não sei se o «nós» dele é o mesmo que o nosso, mas sim, eu confirmo que nós podemos.
Quando digo “nós”, refiro-me ao universo de pessoas que têm “ELA”. Para comprovar isto, vou-vos contar o meu dia de terça feira, 21 de Junho. De manhã, arrisquei uma ida à praia. Já o tinha pensado na véspera. A chegada do Verão, despertou em mim o desejo de ver o mar, o sol e areia fina. Combinei com o Luís para que ele viesse mais cedo buscar-me. Pensei qual seria a praia com melhor acesso e decidi-me pelo Tamariz. Entrámos pela rua de trás e estacionámos o carro no lugar de deficientes a escassos metros do paredão.O acesso é fácil. Optei por ficar numa esplanada à esquerda do Tamariz, mesmo em frente ao mar. Pedi ao Luís para reclinar a cadeira  e pôr-me protector solar. Pedi um shandi para ir “molhando o bico”! Estava calor! Deixei-me afundar na cadeira enquanto pensava que isto é que é vida! Cheirava-me a mar, a praia e a protector solar… Enquanto fechava os olhos, ouvia a as ondas a baterem nas rochas e as vozes de muitas pessoas que falavam desordenadamente entre o denso maralhau que povoava a praia. Deixei-me estar. A gozar o momento. Soube-me ao mesmo quando vinha à praia e não estava doente. Ainda pensei alugar uma espreguiçadeira mas como ia ficar pouco tempo, decidi deixar para outro dia. A praia estava muito limpa. Caixotes do lixo em vários pontos e uma equipa de jovens com uma T- Shirt onde se podia ler “Marés Vivas”. Recolhiam os sacos já cheios de lixo ou ajudavam as crianças das escolas. Tinham também um posto de informação. Pareceu-me uma coisa civilizada e uma boa ideia para ocupar jovens nos tempos livres das férias. O sol queimava. Fui bebendo o meu shandi e olhando em volta. Como era um dia de semana, estava-se muito bem! Crianças das escolas, jovens em férias, reformados, todos eles, deviam fazer parte da assídua plateia que frequenta aquela praia durante a semana. Gostei tanto que vou voltar. Apesar do esforço que é preciso fazer para as  transferencias do carro para a cadeira de rodas e vice-versa, é largamente compensador viver estes momentos. Refrescam-me a alma.  Revigoram-me o espírito. Como consequência, isso também se transmite ao corpo. Este corpo rebelde, que se recusa a receber ordens de quem o comanda.

Aproximava-se a hora do almoço. Disse ao Luís para nos apressarmos pois tinha combinado um almoço no Onyria Marinha com dois amigos e ex – colegas da Escola de Hotelaria do Porto. Quando cheguei, já o Tomico (é assim que chamamos ao António Albuquerque desde os tempos da Escola) se encontrava no Bar à minha espera. Eu de calções de banho e pólo. Como um Turista em férias. Ele, de calça, blazer e camisa com um ar de quem vai trabalhar. Como o Paulo Mesquita, vinha de Óbidos, da Praia d´el Rey e estava um pouco atrasado, fomos avançando. Escolhemos uma mesa no exterior do restaurante numa zona fresca, à sombra porque o sol apertava àquela hora. Comecei com uma sopa apesar do calor porque é uma comida muito fácil de deglutir. O Tomico acompanhou. Depois, pataniscas com arroz de tomate para mim e Strogonoff  para ele. Fomos conversando sobre a empresa dele, sobre colegas do tempo da escola e sobre a viagem do dia seguinte. Entretanto, chegou o Paulo Mesquita que alinhou nas Pataniscas. A conversa andou à volta profissão,  do Grupo Onyria, da minha doença e existência de Deus. Terminámos com café e pavet de chocolate. O tempo voa. Foi bom rever esta malta e sentir que tenho o apoio deles. Eu sei que estão a torcer por mim, nesta luta desigual. É uma luta tipo David contra Golias. Mas se contabilizar todos os apoios que tenho sentido à minha volta o resultado inverte-se. No futebol num jogo a duas mãos, quando empatam, jogam o prolongamento. É  isso que eu estou a jogar agora. O prolongamento. E quero obrigar a doença a ir a penaltis. Nos penaltis, dizem os comentadores da bola, qualquer um pode ganhar.

Depois do almoço, tinha previsto fazer uma das coisas que mais gosto de fazer: acompanhar o meu filho no seu treino de golf. O início deste desporto para o Henrique coincidiu com o desenvolvimento da minha doença. Como era um desporto fácil de acompanhar pois podia estar no bugie e dar-lhe instruções, rapidamente passou a  ser um dos nossos desportos favoritos. Já não podíamos jogar futebol mas eu podia acompanhá-lo nos jogos de golf. A evolução do Henrique neste desporto foi rápida, o que o levou a começar a jogar o campeonato nacional de escolas, também conhecido como Circuito Drive. Como tinha um Campo sempre à mão, um Driving Range onde podia treinar, e o Jorge Rodrigues Profissional de Golf, trabalhou muito nesta modalidade em 2009. Eu, nesta fase inicial da minha doença, era um pai treinador, completamente idiota! «Alinha à esquerda, olhos na bola, os pés não estão bem, faz o swing como deve ser». Eram tantas as instruções, que eu não sei como é que não transformei um miúdo com potencial para jogar, num anti-golfista. Atribuo este comportamento ao desgaste psicológico que a doença me causou nesse ano e à ansiedade em projectar no meu filho um sucesso que eu não podia ter. Felizmente, ele aguentou tudo isto. Em silêncio. Quase nunca se queixava. Hoje é diferente. Quero que o Golf seja um divertimento para ele e para mim. E quero que jogue e treine porque tem vontade e gosto em jogar.Substitui a crítica dura pelo elogio., mesmo quando os shots não saem bem! Isto dá resultados. Mais motivação, mais diversão, mais vontade em jogar mas, sobretudo, um tempo mais bem passado com o meu filhote, sem crispações perfeitamente inadmissíveis, nem arrelias! Afinal de contas, o mais importante, é que ele seja feliz. Passámos uma tarde muito agradável, no meio do imenso verde do campo. Yes we can! 

terça-feira, 21 de junho de 2011

Hoje, penso…



Fui eu! Podias ter sido tu! Ou tu. Ou talvez mesmo tu!
Porque a ELA existe. Não escolhe idade, sexo, raça, ou religião.
Mas ninguém acredita, até lhe acontecer a si mesmo.

Hoje, é dia mundial da ELA.
Hoje, penso naqueles que sofrem esta terrível doença.
Hoje, penso naqueles que têm a doença e não têm o apoio e o carinho das suas familias.
Hoje, penso naquelas familias em que o doente perdeu o emprego e o familiar que cuida dele teve que deixar de trabalhar.
Hoje, penso nas crianças que veem um pai ou uma mãe ficar prisioneiro dentro de si próprio.
Hoje, penso no muito que é preciso fazer para apoiar os doentes com ELA. Fazer cumprir as leis que o Estado cria e que é o primeiro a não cumprir. Mudar mentalidades. Derrubar barreiras sociais.
Hoje, penso que num mundo tão altamente tecnologico, a tecnologia podia e devia estar ainda mais ao serviço dos doentes.
Hoje, penso que somos muitos, mas somos poucos para que a ciência descubra um caminho. Desde Lou Gherig, em 1938, o Homem já foi à Lua, inventou o telemóvel, o computador, a internet, a cura para muitos cancros, o controlo de doenças como a sida. Os cientistas querem, mas estão sózinhos.

Por isso, junta-te a nós e passa a palavra. Ajuda-nos a gritar ao mundo que a ELA existe. Junta-te à APELA e ajuda-nos a ajudar. Empurra esta ideia. Dá voz aos que não têm voz. Dá ânimo aos que o perderam. Dá força àqueles que não sabem onde a ir buscar.

Porque, a luz existe.
Porque o sol brilha.
Porque as crianças sorriem.
Porque há vida depois da ELA.
Porque enquanto há vida… há esperança.   

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O dia da ELA

No Sábado dia 18 de Junho, fui ao dia da ELA, no auditório Fernado Pessa em Lisboa. A Conceição da APELA, tinha-me pedido para falar um pouco sobre a minha experiencia com a doença, baseado nos posts que tenho publicado no meu blog. Fui recebido calorosamente e encaminhado para o auditório. Cheguei, já os trabalhos decorriam. Do programa constava entre outros a comunicação da Drª Susana Pinto. É sempre um prazer ouvir a Drª Susana Pinto, porque esta explica tudo muito bem. Falou dos medicamentos em teste e das diferentes vias para encontrar uma solução. A sensação com que fiquei, é que de facto há muita coisa a ser feita, mas que ainda não encontrámos o caminho certo para a investigação. Enfim, há que manter a esperança de que alguma luz ao fundo do tunel se possa vislumbrar. De seguida falou o Enfº xxx da Linde. A sua comunicação incidiu sobre o excelente trabalho que esta empresa presta ao apoiar os doentes com insuficiencia respiratória. Considero o interface existente entre a consulta de Esclerose Lateral Amiotrofica e a Linde, como um exemplo a replicar pelo pais. Quando chegou a minha vez de falar, não tinha nada preparado. Optei por improvisar. Ao fim ao cabo, trata-se de falar de uma realidade que infelizmente conheço bem. O Jorge Freire e o Diamantino Lourenço, tambem prepararam intervenções com muito interesse sobre as suas experiencias com a ELA. Gostei muito da leitura de excertos dos livros da Rosário Sarabando, da Tecas e da São. O livro da Rosário, já conhecia e já tive o prazer de o ler e de beber a força daquela mulher. Os outros não conhecia, mas percebi que foram escritos com alma e coração. Hilariante aquela descrição no livro da São, da viagem em sidecar até ao Algarve. Fez-me imaginar toda a situação e não consegui conter algumas gargalhadas pelas situações e emoções que descreve com um humor contagiante. A Maria José, dias antes do encontro tinha-me enviado uma mensagem em que me falava do livro da Tecas, dizendo que me levaria um exemplar para eu ler. Pois eu cara amiga já o comecei a ler.

Depois das palestras veio a melhor parte. Um convivio e um lanchinho muito simpatico. A parte do convivio foi tão intensa que nos fez esquecer que ainda havia uma banda de musica arranjada pela Sylvie, para ouvir. Foi pena mas depois de trincar os salgadinhos  e de começar a tagarelar aqui e acolá já ninguem nos arrancava dali. Nem que tivesse pernas, quanto mais rodas. Ir a estes eventos, faz-nos sentir vivos. Como já escrevi num post anterior, cria-se uma grande solidariedade entre os doentes que tem ELA. É quase como familia. No fundo é uma afirmação e um testemunho publico de que estamos cá para a luta. Porque ir e participar já é um sinal de vitalidade. Gostei muito de conhecer o Pedro Monteiro e a sua queridissima familia. O Pedro é um campeão, que deu muito à APELA. É um exemplo de esforço e de luta contra a doença. São estes herois que tenho conhecido recentemente, que verdadeiramente me inspiram e preenchem a minha vida. Felicito a APELA pela organização destas jornadas.

No dia 17 ouvi na TSF a entrevista da Profª Anabela Pinto. Como notas de destaque desta entrevista, sublinho algumas das coisas que foram ditas. As doenças raras representam cerca de 8% das doenças. Isto significa que no seu conjunto afectam muita gente. A Profª Anabela enfatizou a evolução que houve nos cuidados prestados aos doentes com ELA. «Há 20 anos ninguem perdia 5 minutos com estes doentes. Fazia-se o diagnostico e vinham para casa para morrer.» Felizmente que as coisas evoluiram e isso tem reflexo no aumento da sobrevida dos doentes. Explicou ainda que mais do que  uma doença do individuo, da familia, dos médicos, a ELA é uma doença da sociedade porque implica muitos recursos. A ELA é uma doença aleatoria e de sintomatologia diversificada. Esta é uma das razões que explicam a dificuldade de diagnostico. Foi bom ouvir uma voz tão esclarecida numa rádio de expressão nacional.

Já saiu a Newsletter da APELA, coordenada pela Sylvie. Parabéns Sylvie. Tem muita informação e muito que ler.

Deixo o link para a entrevista com a Profª Anabela Pinto
http://www.youtube.com/watch?v=gDaJUrZRzf8

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Uma aventura nos Hospitais Portugueses.

Este podia ser o titulo de mais um livro da colecção Uma Aventura, das autoras Isabel Alçada e Ana Maria Magalhães. Nos últimos 3 anos, tirei uma Licenciatura, um Mestrado e um Doutoramento no «Curso de Utente Hospitalar», pelos piores motivos, claro está! Talvez seja interessante partilhar a visão que fui adquirindo ao longo deste meu "percurso académico", com quem nunca teve que frequentar esta Universidade da Vida.

No inicio da doença, fui ao John Radcliff Hospital, em Oxford. Também tive oportunidade de ir a Bruxelas, à Universidade de Louvain. Em ambos os casos, fiquei impressionado pela qualidade e funcionalidade dos edifícios, nomeadamente, no que diz respeito à acessibilidade para os doentes e familiares. Fazendo um bocadinho o paralelo com os dois Hospitais portugueses que melhor conheço, o Hospital de Santa Maria e o Hospital de S.José, qualquer comparação seria uma afronta para os primeiros. Por exemplo, estacionar no Hospital de S.José, é verdadeiramente caótico e, note-se, estou a falar em estacionar um veículo que tem o respectivo dístico visível e que é concedido àqueles que têm mobilidade reduzida. Como os lugares disponíveis a quem possui estas características são pouquíssimos, é quase impossível conseguir-se estacionar e, conseguir chegar a tempo à consulta. Temos então outra alternativa: parar temporariamente o veículo à frente dos serviços para que o utente possa sair do carro e ser sentado na sua cadeira de rodas. Ora, isto só se consegue após uma troca de galhardetes com os zelosos seguranças da instituição. Estacionado o dito veículo "prioritário" passa-se à dificuldade seguinte. As ruas são estreitas e íngremes o que dificulta a entrada e a saída dos doentes. Os passeios não têm rampas. Chegados às Consultas Externas, passa-se à nova etapa desta epopeia: fazer a admissão nas consultas, junto dos serviços administrativos. Aqui há, mas não há atendimento prioritário. Todos os utentes são tratados de igual forma, não obstante as gritantes diferenças entre os vários tipos de doenças. Se tivermos o azar de ter a consulta em hora do pequeno almoço dos funcionários a admissão pode levar algum tempo. Dos 3 ou 4 postos disponivéis, já apanhei apenas 1 a funcionar, porque o staff estava em período de pausa. Nestas circunstâncias, havia uma só pessoa para despachar todo o serviço. Desconheço o contrato colectivo de trabalho que regulamenta as relações laborais entre a entidade empregadora (vulgo, o Estado) e os respectivos funcionários públicos. Contudo, a minha imaginação fez-me transportar para a (minha) realidade do turismo e da hotelaria. Imaginem chegar a um Hotel e não haver funcionários para fazer o check-in, tão somente porque estão na pausa para o cigarro e para o café ou porque foram à pastelaria ali da frente. Imaginem, simplesmente, porque não é possível. Provavelmente os funcionários da recepção do Hotel não ganham mais do que os da recepção do Hospital. Estamos a falar de um sector de actividade que tem uma cultura de serviço e exigência e de um outro que nem por isso. Lembro-me, um dia,  que estive à espera que a funcionária acabasse de falar ao telemóvel, para depois me atender como se fosse a coisa mais natural do mundo. Será que não há chefes de serviço com dois dedos de testa? Quando se trabalha, não se trata de assuntos privados e quando se atende o público não se fala ao telemóvel, mesmo que seja o dia de aniversário, como era o caso daquela funcionaria.
As instalações físicas do Hospital de S.José são deprimentes. O conjunto de edifícios é velho, mas não é por ser velho que é mau. É mau porque está degradado e descuidado. Num país «rico» como o nosso, é mais fácil construir um Hospital novo do que cuidar os que existem. Construir um Hospital novo dá muito dinheiro. Arranjar um Hospital velho custa muito dinheiro. Quem está no poder gosta de mandar construir Estádios, estradas, pontes, hospitais. Quem faz novo, ganha comissões e garante financiamento para o partido da sua cor politica. As empresas de obras publicas, "chefiadas" por ex-Ministros de obras publicas esfregam as mãos de contentamento. Assim vai o nosso pais. Assim chegamos a uma colossal divida pública que a próxima geração vai pagar. Assim chegou cá o FMI. Devia também ter vindo o FBI.

A acessibilidade ao Hospital de Santa Maria é muito melhor. Contudo, o tempo que se demora a arranjar lugar, também não facilita. Há de facto muito poucos lugares para deficientes. Essa situação devia ser revista. Neste Hospital as consultas externas de neuromusculares estão separadas da generalidade das outras consultas. Isto faz com que tudo seja muito mais tranquilo. O edifício de arquitectura típica do Estado Novo, é imponente. Nas zonas onde circulei, pude constatar que se encontra razoavelmente conservado. Quando em Janeiro deste ano tive uma pneumonia, recorri às urgências do Hospital. Pulseira verde, mas vá para a sala amarela, disseram-me. Entrei às 14:00 e sai às 02:00. Das 14:00 às 20:00, estive à espera de ser atendido. A preocupação da Profª Anabela, ao encaminhar-me para as urgências, escrevendo inclusivamente uma carta, contrastou com a descontracção com que me receberam na triagem. Fiquei perplexo. Devo dizer que não invejo o trabalho daqueles médicos que estavam de serviço. De facto não pararam. Não fiquei internado porque não havia camas na neurologia. Ainda bem, pensei eu. Tenho algum pavor de um internamento hospitalar, numa situação critica como a minha. Tem o quê? Esclerose quê? É a múltipla? Não, é a Lateral Amiotrófica! Já ouviu falar? Este é um dialogo recorrente, nos hospitais. Muita gente que trabalha na área da saúde não conhece a doença, e como tal não tem conhecimentos sobre como lidar com um doente com ELA.  Atenção famílias, nunca deixem um doente com ELA sozinho numa urgência hospitalar. Ele pode não resistir. Acompanhem-no sempre. Em baixo transcrevo parte da lei nº 106/2009 sobre o acompanhamento familiar em internamento hospitalar. É um direito que nos assiste.
de 14 de Setembro
Acompanhamento familiar em internamento hospitalar
A Assembleia da República decreta, nos termos da
alínea
Artigo 1.º
c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:
Âmbito
A presente lei estabelece o regime do acompanhamento
familiar de crianças, pessoas com deficiência, pessoas em
situação de dependência e pessoas com doença incurável
em estado avançado e em estado final de vida em hospital
ou unidade de saúde.
Artigo 3.º
Acompanhamento familiar de pessoas com deficiência
ou em situação de dependência
1 — As pessoas deficientes ou em situação de dependência,
as pessoas com doença incurável em estado avançado e
as pessoas em estado final de vida, internadas em hospital
ou unidade de saúde, têm direito ao acompanhamento
permanente de ascendente, de descendente, do cônjuge ou
equiparado e, na ausência ou impedimento destes ou por
sua vontade, de pessoa por si designada.
2 — É aplicável ao acompanhamento familiar das pessoas
identificadas no número anterior o disposto nos n.
e 4 do artigo 2.º
Artigo 4.º
os 3
Condições do acompanhamento
1 — O acompanhamento familiar permanente é exercido
tanto no período diurno como nocturno, e com respeito
pelas instruções e regras técnicas relativas aos cuidados
de saúde aplicáveis e pelas demais normas estabelecidas
no respectivo regulamento hospitalar.
2 — É vedado ao acompanhante assistir a intervenções
cirúrgicas a que a pessoa internada seja submetida, bem
como a tratamentos em que a sua presença seja prejudicial
para a correcção e eficácia dos mesmos, excepto se para
tal for dada autorização pelo clínico responsável.

Aconselho uma leitura atenta a esta lei. Não a transcrevi toda.

Tenho para mim que o melhor dos hospitais são os médicos, enfermeiros e auxiliares. Nesta área temos felizmente médicos que são tão bons ou melhores do que os estrangeiros. Tenho para mim que o pior dos hospitais são as administrações, ARS e a tutela. Faz lembrar aquela história dos portugueses que quando vão para o estrangeiro são os melhores do mundo. Porque será? Porque entram num sistema organizado e são bem liderados. Em Portugal isto não é possível no Estado, porque o Estado está partidarizado. Então as chefias,  direcções gerais e administrações são gente filiada em partidos. Como tal acham que não precisam de trabalhar porque tem as costas quentes. Podem ser medíocres à vontade que ninguem os penaliza. Logo dão um pessimo exemplo às equipas que chefiam. Para que o país avance é fundamental tirar os partidos políticos da administração publica. Quem é filiado não pode ser Director Geral ou exercer outros cargos de chefia na administração publica. É assim que devia ser. Teríamos melhor saúde, melhores hospitais, melhor tudo. Sonho com um Portugal assim.


Lei n.º 106/2009

quinta-feira, 9 de junho de 2011

«Special one»

Já lá vão 44. Capicua. Duas cadeiras, como diz a minha irmã. Ainda me lembro quando achava que alguém com 40 anos, já era muito velho. A nossa perspectiva sobre a vida vai mudando ao longo dos anos. É engraçado, mas eu hoje revejo-me muito em coisas que o meu pai, a minha mãe e a minha avó me diziam. Na altura pensava que, quando for grande não vou ser assim. Achava até, que algumas regras eram invenção dos adultos, só para chatearem os mais pequenos. «Veste o casaco que está frio», «leva o boné», «tem cuidadado», «vai estudar». Afinal, estas e outras frases que ouvi vezes sem conta, também as digo aos meus filhos, e provavelmente embora ainda não saibam, dirão aos seus.

O José Mourinho que me desculpe, mas eu ontem senti-me um special one. Não pretendo roubar-lhe o titulo, até porque as pessoas preferem os originais às copias, mas senti-me especial. Tudo porque reuni um grupo de amigos e família, para celebrarmos os meus 44 anos. Tinha pensado em fazer um jantarito. Afinal,  parecia um casamento.O incansável Luís Ferreira,em colaboração com os manos Pinto Coelho, que nestas coisas actuam como um gang, tomaram a dianteira, escolheram um local bem agradável e mobilizaram a malta do hotel. Eh pá, nem sei o que vos hei-de dizer, por isso mais vale estar calado. Saibam no entanto que me sinto um previligiado por vos ter como amigos. Eu só tive que juntar a família e alguns amigos. Muitos não puderam vir, mas é como se lá estivessem.Outros não via há tempos, porque esta vida é assim mesmo. Foi muito bom reve-los. O jantar foi agradável mas mais importante que a comida foi sentir a amizade e o carinho de todos.Vi um brilhozinho nos olhos das minhas queridas manas e senti o calor dos meus sobrinhos. Fico sempre com a sensação neste tipo de jantares de que nunca se conversa tudo o que se quer com todos. Ainda para mais, quando é difícil fazer-me entender. Fiquem no entanto a saber que foi um momento muito especial para mim, para a minha mulher e para os meus filhos. Tenho tido provas de amizade incríveis. Tenho ganho novos amigos. Isto leva-me a pensar que ao longo de 41 anos, vivi de braços cruzados. Nos últimos 3 anos abri os braços e só tenho ganho com isso.

Ontem comecei a ler um livro, que há muito queria ler. «Quero ver o meu filho crescer», da Rosário Sarabando, doente com ELA, recentemente falecida. Recomendo a leitura a todos os que quiserem saber o significado da palavra superação. Quem tiver problemas, leia o livro, que depressa os verá mingar por justaposição. Em breves palavras, o livro conta a História da Rosário. Acabada de ter um filho, descobre que tem ELA. É fantástica a forma como organiza a sua vida, programa as refeições, a lida da casa, educa o filho e comunica com o exterior. Que grande testemunho de força e de vontade de viver. Dizia a Rosário que enquanto puder ficar mais um dia na vida do filho, a sua vida fazia sentido. Que extraordinário presente, ler esta mensagem no meu dia de anos. Também por isto, me sinto hoje «special one».

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Eu, procuro alguém para fazer de Eu.

Já me apeteceu por um anuncio no jornal com o seguinte teor: «Procura-se alguém para fazer de Eu». De facto, um doente com ELA, pode fazer tudo, mas não consegue fazer nada. No entanto se tiver ajuda, pode fazer ainda muita coisa. Não precisei de por um anuncio, porque apareceu o Luís. O Luís é, em termos técnicos aquilo a que chamamos um cuidador, ou care giver. Na realidade, o seu trabalho é um bocado mais do que este. O Luís, faz o favor de viver um bocadinho menos a vida dele, para me deixar viver um bocado mais a minha. Esta é uma tarefa de grande humanidade e de amor ao próximo. Já me perguntei, se fosse ao contrário, se eu não estivesse doente e vivesse «no meu mundinho perfeito», se seria capaz de dar tanto ao próximo, como me dão a mim. Honestamente tenho dificuldade em responder. Ás vezes é preciso estar perante as circunstâncias que a vida nos põe, para ir ao fundo do baú buscar capacidades que até então não reconhecemos em nós. A normalidade que este trabalho transmite ao meu dia a dia é indescritivel. A rápida e implacável evolução da minha doença, tornou-me completamente dependente de terceiros.  Passei então a poder fazer coisas normais que pessoas normais fazem, como ir à rua, a trabalhar, deslocar-me de carro ou até a escrever no computador. Sem esta ajuda diária tudo seria muito mais difícil, ou até impossivel.

Um bom cuidador é aquele que é mais do que um bom cuidador. No fundo tem que ser alguém em quem se possa confiar. No meu caso, tirando a minha mulher, o Luís é a pessoa que sabe mais da minha vida. É alguém que muitas vezes tem que me ajudar a ser Eu. Isto faz com que eu esteja animado e consiga ser optimista apesar do cenário que tenho. Gosto quando a minha mulher chega a casa, e me diz «estás tão cheiroso». Gosto de ir à escola dos meus filhos resolver um problema qualquer, ou participar numa actividade. Gosto de ir para o escritório trabalhar. Gosto de ir ver o meu filho jogar golfe. Gosto de ir ver a minha filha jogar volei. Gosto que estas sejam tarefas de maridos e pais normais. Gosto de fazer estas tarefas e de sentir que afinal perdi muito, mas não perdi tudo. Sentir que posso fazer quase tudo o que fazia, embora com muita, muita ajuda. Mas faço. E continuo a ser marido, pai e amigo dos meus amigos. E a gostar das mesmas coisas que gostava. A doença não alterou o meu gosto pela vida. Antes o reforçou, por ter agora consciência de quão dificeis são as coisas. Dou agora muito mais valor a tudo o que posso desfrutar. Esta anormal normalidade, de alguém que está quase totalmente paralisado, só é possivel, com a tal ajuda que me ajuda a ser Eu. Por isso digo, obrigado Luís por me deixares voltar a ser Eu.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Esta noite fui jantar a Nova Iorque

Fui! Esta é a minha vantagem em relação aos outros. O meu pequeno poder secreto que me pode levar a qualquer lado, em qualquer momento. Posso até,  ir a lugares que ainda não existem. Mas porque não podem os outros fazer o mesmo? Poder podem, mas não é a mesma coisa. Simplesmente, porque não sentem o que eu sinto, e para poder ir assim, é preciso sentir como tal. Quem pode ir fisicamente, opta por sentir e vivenciar desta forma. Para ir mentalmente, não se pode conseguir ir fisicamente. É a mesma coisa que ver um filme em 3D e em formato normal. Também Platão na alegoria da caverna fala dos homens que apenas conhecem a realidade das sombras. Essa não é contudo a verdadeira realidade. Também no imaginário, há diferenças entre realidade imaginada por nós ELAS e pelos outros. O ir físico, é diferente do ir mental. O ir mental não submete os sentidos à realidade, antes cria a sua própria envolvente. Bruce Talbot (um americano que sofre da doença de Parkinson) escreveu isto: "Percebam isto, há pessoas saudáveis e pessoas doentes: A TRAMA É A MESMA PARA TODOS. Nascemos; vivemos; iremos morrer. Aqueles entre nós com uma doença detêm uma vantagem sobre as pessoas saudáveis. Não estou a tentar pintar um quadro bonito desta porcaria desta doença, nem da condição de ninguém, mas para aqueles que vivem com uma doença a trama é mais simples, e, em alguns aspectos importantes mais (será que me atrevo a dizê-lo?) fácil. Ao perder em certos aspectos, ganhamos noutros. Temos a vantagem de viver na faixa da esquerda, de prego a fundo. Vivemos a realidade de ter a noção perfeitamente clara de que os nossos dias nos escorrem pelas mãos como a areia que escorre por uma ampulheta."

Fui ao Jo Jo. Aquele que fica entre Lexington e 3rd. Ave. Como o Hotel ficava perto, aproveitei para ir a pé. Estava uma brisa fresca e húmida, própria das cidades que tem rio ou mar próximo. Ao chegar ao restaurante, o maitre indicou-me a mesa que tinha sido previamente reservada pelo consierge do Hotel. O Jo Jo não é propriamente o tipo de restaurante indicado para se jantar sozinho. A decoração intimista apela a um clima mais romântico. Alias as mesas que me rodeavam estavam preenchidas por casais. Aqui e acolá um grupo de 4 e outra de 6 pessoas Gente importante e bem vestida, com um ar sofisticado, ou não estivessemos nos em Nova Iorque. Na mesa onde estava o grupo de 4 pessoas eram todas mulheres. Beberricavam champanhe enquanto escolhiam.  Tentei adivinhar o que estariam ali a fazer. Seriam mulheres de negócios, ou apenas uma girls night out de 4 amigas? Na mesa de 6 claramente se tratava de negócios. Dois dos convivas tinham um ar nipónico. Mesmo ao meu lado um casal de meia idade, mais à frente outro e outro mais jovem, junto ao bar alguns casais tomavam cocktails e apreciavam a arte do barman. Dei uma vista de olhos à ementa. Chamou-me à atenção os «Shrimp dusded in orange powder», para começar. Depois deixei-me seduzir por um «Duck Breast, leg baked in a brick pastry, sweet and sour shallots». Para sobremesa não tive duvidas. Pedi um  "Jojo" (também conhecido por petit gateau, é aquele bolinho de chocolate que vem com uma calda quente por dentro... e sorvete de creme). Para beber um vinho da Califórnia. Quando acabei de jantar apeteceu-me andar a pé. Dei comigo a reflectir sobre as razões que me tinham trazido a Nova Iorque. Porquê Nova Iorque? Apenas porque podia vir transportado nas asas da imaginação? Certamente que não. Deveria haver outra razão.

 Quando acordei vi que tudo não passara de um sonho. Há quem diga que o sonho comanda a vida. A minha vida não é comandada pelo sonho, mas sim pela realidade. Isso não quer dizer que eu, às vezes, não sonhe. Sonho, por exemplo em fazer coisas tão banais como, coçar a ponta do nariz, virar-me na cama, enxotar uma mosca, clicar no rato do computador, ou pegar num talher. Nós fazemos todos os dias coisas tão banais e simples que só lhe damos o verdadeiro valor quando deixamos de as poder fazer. Tomamos as coisas como garantidas, mas nada está garantido. Por isso nós os que andamos do lado esquerdo da faixa de rodagem temos melhor consciência da verdadeira realidade. Uma realidade que pode ser brutalmente alterada a qualquer segundo. Pode acontecer a qualquer um de nós, mas ninguem acredita até lhe acontecer a si mesmo. Por um lado, ainda bem, senão viveríamos em constante sobresalto. Soube-me bem ir jantar a Nova Iorque. Arejei as ideias. 

Acabaram as ANCORAS

O Navio está bem fundeado. Estável. Em porto seguro. A partir de agora vamos navegar por outros mares. Textos, notas, reflexões avulso. Para quem quiser e tiver paciência. Obrigado por me aturarem um bocadinho «out of the box». Obrigado pela força e incentivo que me tem dado. Mesmo os que não dizem nada... Um abraço a todos.