quarta-feira, 1 de junho de 2011

Esta noite fui jantar a Nova Iorque

Fui! Esta é a minha vantagem em relação aos outros. O meu pequeno poder secreto que me pode levar a qualquer lado, em qualquer momento. Posso até,  ir a lugares que ainda não existem. Mas porque não podem os outros fazer o mesmo? Poder podem, mas não é a mesma coisa. Simplesmente, porque não sentem o que eu sinto, e para poder ir assim, é preciso sentir como tal. Quem pode ir fisicamente, opta por sentir e vivenciar desta forma. Para ir mentalmente, não se pode conseguir ir fisicamente. É a mesma coisa que ver um filme em 3D e em formato normal. Também Platão na alegoria da caverna fala dos homens que apenas conhecem a realidade das sombras. Essa não é contudo a verdadeira realidade. Também no imaginário, há diferenças entre realidade imaginada por nós ELAS e pelos outros. O ir físico, é diferente do ir mental. O ir mental não submete os sentidos à realidade, antes cria a sua própria envolvente. Bruce Talbot (um americano que sofre da doença de Parkinson) escreveu isto: "Percebam isto, há pessoas saudáveis e pessoas doentes: A TRAMA É A MESMA PARA TODOS. Nascemos; vivemos; iremos morrer. Aqueles entre nós com uma doença detêm uma vantagem sobre as pessoas saudáveis. Não estou a tentar pintar um quadro bonito desta porcaria desta doença, nem da condição de ninguém, mas para aqueles que vivem com uma doença a trama é mais simples, e, em alguns aspectos importantes mais (será que me atrevo a dizê-lo?) fácil. Ao perder em certos aspectos, ganhamos noutros. Temos a vantagem de viver na faixa da esquerda, de prego a fundo. Vivemos a realidade de ter a noção perfeitamente clara de que os nossos dias nos escorrem pelas mãos como a areia que escorre por uma ampulheta."

Fui ao Jo Jo. Aquele que fica entre Lexington e 3rd. Ave. Como o Hotel ficava perto, aproveitei para ir a pé. Estava uma brisa fresca e húmida, própria das cidades que tem rio ou mar próximo. Ao chegar ao restaurante, o maitre indicou-me a mesa que tinha sido previamente reservada pelo consierge do Hotel. O Jo Jo não é propriamente o tipo de restaurante indicado para se jantar sozinho. A decoração intimista apela a um clima mais romântico. Alias as mesas que me rodeavam estavam preenchidas por casais. Aqui e acolá um grupo de 4 e outra de 6 pessoas Gente importante e bem vestida, com um ar sofisticado, ou não estivessemos nos em Nova Iorque. Na mesa onde estava o grupo de 4 pessoas eram todas mulheres. Beberricavam champanhe enquanto escolhiam.  Tentei adivinhar o que estariam ali a fazer. Seriam mulheres de negócios, ou apenas uma girls night out de 4 amigas? Na mesa de 6 claramente se tratava de negócios. Dois dos convivas tinham um ar nipónico. Mesmo ao meu lado um casal de meia idade, mais à frente outro e outro mais jovem, junto ao bar alguns casais tomavam cocktails e apreciavam a arte do barman. Dei uma vista de olhos à ementa. Chamou-me à atenção os «Shrimp dusded in orange powder», para começar. Depois deixei-me seduzir por um «Duck Breast, leg baked in a brick pastry, sweet and sour shallots». Para sobremesa não tive duvidas. Pedi um  "Jojo" (também conhecido por petit gateau, é aquele bolinho de chocolate que vem com uma calda quente por dentro... e sorvete de creme). Para beber um vinho da Califórnia. Quando acabei de jantar apeteceu-me andar a pé. Dei comigo a reflectir sobre as razões que me tinham trazido a Nova Iorque. Porquê Nova Iorque? Apenas porque podia vir transportado nas asas da imaginação? Certamente que não. Deveria haver outra razão.

 Quando acordei vi que tudo não passara de um sonho. Há quem diga que o sonho comanda a vida. A minha vida não é comandada pelo sonho, mas sim pela realidade. Isso não quer dizer que eu, às vezes, não sonhe. Sonho, por exemplo em fazer coisas tão banais como, coçar a ponta do nariz, virar-me na cama, enxotar uma mosca, clicar no rato do computador, ou pegar num talher. Nós fazemos todos os dias coisas tão banais e simples que só lhe damos o verdadeiro valor quando deixamos de as poder fazer. Tomamos as coisas como garantidas, mas nada está garantido. Por isso nós os que andamos do lado esquerdo da faixa de rodagem temos melhor consciência da verdadeira realidade. Uma realidade que pode ser brutalmente alterada a qualquer segundo. Pode acontecer a qualquer um de nós, mas ninguem acredita até lhe acontecer a si mesmo. Por um lado, ainda bem, senão viveríamos em constante sobresalto. Soube-me bem ir jantar a Nova Iorque. Arejei as ideias. 

4 comentários:

  1. Lindo mesmo e ate comovente! Continue a escrever assim Henrique, pois a sua forca e' contagiante, e a verdade e' essa mesmo nos so damos importancia as coisas quando as perdemos, e' pura realidade.
    Obrigado.Bjs

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  2. Para a próxima leva-me contigo! nunca fui a Nova York..
    beijos querido Henrique. já tenho saudades.
    teresa, prima!

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  3. Henrique, concordo realmente um comment anterior de que voce deveria mesmo escrever um livro (já está vendido pelo menos um exemplar). Se não sabia ainda, está aí um dom com um potencial imenso.
    Abraço
    RF

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