segunda-feira, 27 de junho de 2011

Yes, we can!


Este foi o lead da campanha de Barack Obama para as presidenciais dos EUA. Não sei se o «nós» dele é o mesmo que o nosso, mas sim, eu confirmo que nós podemos.
Quando digo “nós”, refiro-me ao universo de pessoas que têm “ELA”. Para comprovar isto, vou-vos contar o meu dia de terça feira, 21 de Junho. De manhã, arrisquei uma ida à praia. Já o tinha pensado na véspera. A chegada do Verão, despertou em mim o desejo de ver o mar, o sol e areia fina. Combinei com o Luís para que ele viesse mais cedo buscar-me. Pensei qual seria a praia com melhor acesso e decidi-me pelo Tamariz. Entrámos pela rua de trás e estacionámos o carro no lugar de deficientes a escassos metros do paredão.O acesso é fácil. Optei por ficar numa esplanada à esquerda do Tamariz, mesmo em frente ao mar. Pedi ao Luís para reclinar a cadeira  e pôr-me protector solar. Pedi um shandi para ir “molhando o bico”! Estava calor! Deixei-me afundar na cadeira enquanto pensava que isto é que é vida! Cheirava-me a mar, a praia e a protector solar… Enquanto fechava os olhos, ouvia a as ondas a baterem nas rochas e as vozes de muitas pessoas que falavam desordenadamente entre o denso maralhau que povoava a praia. Deixei-me estar. A gozar o momento. Soube-me ao mesmo quando vinha à praia e não estava doente. Ainda pensei alugar uma espreguiçadeira mas como ia ficar pouco tempo, decidi deixar para outro dia. A praia estava muito limpa. Caixotes do lixo em vários pontos e uma equipa de jovens com uma T- Shirt onde se podia ler “Marés Vivas”. Recolhiam os sacos já cheios de lixo ou ajudavam as crianças das escolas. Tinham também um posto de informação. Pareceu-me uma coisa civilizada e uma boa ideia para ocupar jovens nos tempos livres das férias. O sol queimava. Fui bebendo o meu shandi e olhando em volta. Como era um dia de semana, estava-se muito bem! Crianças das escolas, jovens em férias, reformados, todos eles, deviam fazer parte da assídua plateia que frequenta aquela praia durante a semana. Gostei tanto que vou voltar. Apesar do esforço que é preciso fazer para as  transferencias do carro para a cadeira de rodas e vice-versa, é largamente compensador viver estes momentos. Refrescam-me a alma.  Revigoram-me o espírito. Como consequência, isso também se transmite ao corpo. Este corpo rebelde, que se recusa a receber ordens de quem o comanda.

Aproximava-se a hora do almoço. Disse ao Luís para nos apressarmos pois tinha combinado um almoço no Onyria Marinha com dois amigos e ex – colegas da Escola de Hotelaria do Porto. Quando cheguei, já o Tomico (é assim que chamamos ao António Albuquerque desde os tempos da Escola) se encontrava no Bar à minha espera. Eu de calções de banho e pólo. Como um Turista em férias. Ele, de calça, blazer e camisa com um ar de quem vai trabalhar. Como o Paulo Mesquita, vinha de Óbidos, da Praia d´el Rey e estava um pouco atrasado, fomos avançando. Escolhemos uma mesa no exterior do restaurante numa zona fresca, à sombra porque o sol apertava àquela hora. Comecei com uma sopa apesar do calor porque é uma comida muito fácil de deglutir. O Tomico acompanhou. Depois, pataniscas com arroz de tomate para mim e Strogonoff  para ele. Fomos conversando sobre a empresa dele, sobre colegas do tempo da escola e sobre a viagem do dia seguinte. Entretanto, chegou o Paulo Mesquita que alinhou nas Pataniscas. A conversa andou à volta profissão,  do Grupo Onyria, da minha doença e existência de Deus. Terminámos com café e pavet de chocolate. O tempo voa. Foi bom rever esta malta e sentir que tenho o apoio deles. Eu sei que estão a torcer por mim, nesta luta desigual. É uma luta tipo David contra Golias. Mas se contabilizar todos os apoios que tenho sentido à minha volta o resultado inverte-se. No futebol num jogo a duas mãos, quando empatam, jogam o prolongamento. É  isso que eu estou a jogar agora. O prolongamento. E quero obrigar a doença a ir a penaltis. Nos penaltis, dizem os comentadores da bola, qualquer um pode ganhar.

Depois do almoço, tinha previsto fazer uma das coisas que mais gosto de fazer: acompanhar o meu filho no seu treino de golf. O início deste desporto para o Henrique coincidiu com o desenvolvimento da minha doença. Como era um desporto fácil de acompanhar pois podia estar no bugie e dar-lhe instruções, rapidamente passou a  ser um dos nossos desportos favoritos. Já não podíamos jogar futebol mas eu podia acompanhá-lo nos jogos de golf. A evolução do Henrique neste desporto foi rápida, o que o levou a começar a jogar o campeonato nacional de escolas, também conhecido como Circuito Drive. Como tinha um Campo sempre à mão, um Driving Range onde podia treinar, e o Jorge Rodrigues Profissional de Golf, trabalhou muito nesta modalidade em 2009. Eu, nesta fase inicial da minha doença, era um pai treinador, completamente idiota! «Alinha à esquerda, olhos na bola, os pés não estão bem, faz o swing como deve ser». Eram tantas as instruções, que eu não sei como é que não transformei um miúdo com potencial para jogar, num anti-golfista. Atribuo este comportamento ao desgaste psicológico que a doença me causou nesse ano e à ansiedade em projectar no meu filho um sucesso que eu não podia ter. Felizmente, ele aguentou tudo isto. Em silêncio. Quase nunca se queixava. Hoje é diferente. Quero que o Golf seja um divertimento para ele e para mim. E quero que jogue e treine porque tem vontade e gosto em jogar.Substitui a crítica dura pelo elogio., mesmo quando os shots não saem bem! Isto dá resultados. Mais motivação, mais diversão, mais vontade em jogar mas, sobretudo, um tempo mais bem passado com o meu filhote, sem crispações perfeitamente inadmissíveis, nem arrelias! Afinal de contas, o mais importante, é que ele seja feliz. Passámos uma tarde muito agradável, no meio do imenso verde do campo. Yes we can! 

5 comentários:

  1. Yes we can!
    Só me apetece dizer que estou cheia de saudades tuas, apetecia-me ir contigo à praia!
    Tu és o meu exemplo de vida!
    Sabes que a praia também me leva a ter sensações fantásticas e é o meu espaço ZEN!
    Tenho a dizer-te ainda que a tua família, os teus amigos e o teu Luís (... este nome não é por acaso!) são peças chaves da tua ELA!
    Beijinho muito doce e muito grande para ti meu lindoooooo....Teresa Fragata

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  2. Claro que podemos!
    Alguém disse um dia, que na natureza não sobrevivem os mais fortes,mas sim os que se adaptam melhor...
    Há tanto para disfrutar!
    Um abraço

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  3. Henrique,
    Foi bom estar contigo. Vamos repetir em breve. Mais importante que o tempo que dedicamos à família e aos amigos é a intensidade e o prazer que colocamos nesses momentos.
    Grande abraço. Paulo Mesquita

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  4. Claro que nós podemos quando nós queremos!!! "Querer é poder!" é um ditado antigo ... agora Obama conseguiu traduzir bem a ideia com a sua famosa frase: "Yes, We can". Dá para tudo! Dá para um casal que tem um projecto a dois, mas por vezes se afastam pelas tais implicâncias desnecessárias! Dá para alunos que não tem resultados muito positivos ... se passarem a acreditar mais neles, passam a ter melhores resultados .... Dá para quem tem limitações, como o caso dos pacientes da ELA! Se acreditarem que são capazes, claro que são! E tu Henrique, tens sido um grande exemplo para todos nós! Pode-se sim! Consegue-se sim! Tu vais conseguindo viver, amar, divertir, dar e receber!!! Yes, you can! Adorei tudo o que contaste e senti o que viveste, mas fiquei particularmente sensível à crítica que tu fazes a ti mesmo sobre a exigência que antes tinhas com o teu filho que sabiamente a transformaste em divertimento. Sabes, eu tenho tendência em ser benovelente com o meu Daniel, preferindo precisamente que ele seja feliz do que muito bom e muita gente me critica e me diz que eu devia exigir mais dele ... foi uma lufada de ar ler o teu testemunho! Afinal eu estou no caminho certo! Faço do meu filho que também é Henrique (Daniel Henrique)um rapaz divertido! Aceito-o como ele é. E dou-lhe reforços positivos a toda a hora ... felizmente não precisei de passar por uma doença grave para entender a importância da vida! Mas já passei pela perda de pessoas que amei muito e que as perdi cedo demais e isso abriu-me a pestana para valorizar o que realmente tem valor! Mais uma vez adorei as tuas palavras! Olha. como este mês vou andar todo pela linha de Cascais, se quiseres combinar nos encontrarmos, bora lá! Um abraço apertadinho. Nanucha.

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  5. Querido Henrique
    pela primeira vez, fiz ontem uma sessão de leitura em voz alta dos teus textos, a duas amigas que estão aqui comigo em Mil Fontes. Ficaram sem palavras. E eu amei e senti-me muito orgulhosa das tuas feitas minhas. Elas!!! as tuas palavras!!! criavam vida própria, saíam do écrã, cantavam, gritavam, riam, sussurravam. Palavras "vivas" criando paisagens, sentimentos, sensações e grávidas de outras que se adivinhavam contando-nos a "história" dentro da história, dentro da História... Obrigada por nos teres iluminado!!! Beijos. Teresa

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