quarta-feira, 11 de maio de 2011

Ancora 4 TRABALHO

Ainda me lembro, quando tomei a decisão de me mudar para o Hotel Quinta da Marinha Resort. Tinha tido uma conversa com o Engº Pinto Coelho, e na altura coloquei uma questão que me parecia fundamental: «se tem os seus filhos a trabalhar consigo, porque não dirigem eles o Resort?» A resposta não me deixou duvidas: «apesar de sermos um grupo que assenta numa base familiar, queremos ter bons profissionais a trabalhar connosco». Além disso, acrescentava, «os meus filhos são pessoas extraordinariamente normais». Fiquei a pensar nesta definição. Extraordinariamente normais! Espero que um dia a possa aplicar aos meus filhos. De facto hoje em dia é uma anormalidade lidar com gente normal, que tenha valores, seja educada, culta, com vontade de trabalhar e sobretudo despretenciosa. Foi assim que viemos todos do Funchal. Em boa hora. Vivi entre Novembro de 2007 e Novembro de 2008 um ano muito feliz na direcção do Hotel Quinta da Marinha Resort. Excelente equipa, muito motivada para fazer coisas e aberta a novidades.

Em Novembro de 2008, precisamente no dia a seguir à nossa festa anual, tive a confirmação do meu diagnóstico. Relutante, não o aceitei logo. Pedi várias opiniões e fui consultar especialistas a Oxford e  Bruxelas. A partir dai, a minha cabeça não estava centrada nos problemas do trabalho, mas sim na incerteza do que viria a seguir. Foram tempos difíceis. Por um lado tinha que dar uma imagem forte, por outro ainda estava a perceber se o que me tinham dito era um pesadelo ou a realidade. Em Julho de 2009 o Engº Pinto Coelho, chamou-me ao gabinete para falar comigo. Não vou revelar o teor da nossa conversa, mas dizer apenas que a partir dai, fiquei muito mais tranquilo em relação ao meu futuro e ao da minha família. Em Setembro desse ano mudei para a equipa de novos projectos. Deixei a direcção de operações do Hotel Quinta da Marinha Resort e passei a dedicar-me ao futuro Onyria Marinha Edition. Fiquei muito feliz por ter esta oportunidade. No fundo a empresa foi-se adaptando às minhas necessidades crescentes. Isto é notável. Quando precisei de apoio físico, foi contratada uma pessoa para me assistir. Quando precisei de apoio ás minhas actividades de vida diária, o SMP disponibilizou um técnico para ir a minha casa 2 horas por dia para me preparar. Manter-me activo, desenvolver uma actividade e continuar a sentir-me útil tem sido muito importante. Não tenho palavras para classificar este apoio. Costuma-se dizer que Deus escreve direito por linhas tortas. Se eu não estivesse nesta empresa, muito provavelmente estaria agora em casa sem nenhuma actividade. Sinto-me profundamente grato por tudo o que tem feito por mim.

Ter uma ocupação é fundamental para um doente com ELA. Eu sei que nem todos terão a sorte que eu tive e alguns já abdicaram das suas actividades por lhes faltar o apoio que eu tenho tido. Mesmo assim não desistam. Tenho a certeza que há algo em que são diferentes dos outros e onde podem acrescentar conhecimento, ou experiência. E hoje temos a Internet, uma janela aberta para o mundo.

Tenho também a sorte de ter colegas de  trabalho fantásticos. Sinto-me bastante acarinhado por todos. O ambiente é excelente. Durante este período em que estou a trabalhar na área de projectos, multiplicam-se as situações em que vivi o verdadeiro significado da palavra solidariedade. Lembro-me uma vez que eu tinha uma reunião com um potencial fornecedor do Hotel Onyria Marinha Edition. Já estava um pouco atrasado para a reunião, e com a pressa de chegar, optamos por ir  para a sala de reuniões, atravessando um caminho de relva. Na altura  eu ainda andava. Acabei por tropeçar e ficar estendido na relva. O Luis, o meu care giver, tentou levantar-me sem sucesso. Por azar  na altura não havia nenhum homem no escritório. Foi preciso ligar para a recepção do Hotel, para mandar vir um bagageiro para ajudar. Enquanto esperavamos pelo bagageiro, duas colegas minhas, a Vanda (Magda) e a  Arq. Susana, sentaram-se ao meu lado. Os fornecedores que já tinham chegado, iam assistindo a cena atravez do vidro da sala de reuniões, sem perceber muito bem o que se estava a passar. Só me lembro que nos rimos até ficar sem forças. As ideias idiotas surgiam em catadupa. «Embora fingir que estamos a apanhar banhos de sol», dizia a Susana;«embora fingir que somos hippies e fazer a reunião aqui fora», e assim sucessivamente até chegar a tão desejada ajuda. Obviamente que no final esclarecemos tudo com o fornecedor, que acabou por se rir imenso de toda a situação.

São estes bocadinhos preciosos, que fazem com que o trabalho seja uma das ancoras fundamentais para um doente com ELA.

5 comentários:

  1. Henrique, emocionante seu Blog! É um prazer conhecê-lo. Abraço, Vania

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  2. É muito bom começar um dia de trabalho , que depois de ler o seu Blog, vai ser diferente...... mais rico, mais entusiasmante,com mais humor e com a certeza da "pequenez" do meu EU.
    Obrigada por esta lição dada com tanta ternura ,tanto respeito. É verdade que hoje já se encontram jovens "perfeitamente normais" que procuram a educação , aprender ,melhorar a sociedade em que vivemos...porque temos que viver nela e saber que a benção de vermos o nascer e o por do Sol tem que ser agradecida fazendo o melhor para os que nos rodeiam.
    Obrigado por partilhar a sua forma de estar na vida!
    Obrigada por sorrir todos os dias mesmo que esconda as lágrimas que podem estar quase a saltar insistindo em fazer o Mar do Guincho ainda mais azul ainda mais a tocar o céu.
    Bem haja por ter essa força
    Gostaria um dia de o conhecer , dizer aos seus filhos o extraordinário Pai que têm á sua Mulher o Homem com H grande que partilha todos os dias com ela os azuis anilados do principio do dia e os amarelos dourados do fim do dia.
    Um beijo com enorme comoção
    Maria João Homem Cardoso

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  3. Querido Henrique, fiquei encantada com as tuas fantásticas palavras! Como uma pequena decisão na nossa vida pode mudar todo o nosso destino! E a vida é feita de escolhas, no momento certo, agarrando as oportunidades certas! Que sorte que tiveste amigo! Já há tão pouco humanismo, altruísmo! Encontrares a equipa que encontraste e o apoio incondicional duma entidade profissional não é nada fácil! Eu sei que és um Homem íntegro e um excelente profissional! Tenho conversado por coincidência com pessoas que estiveram hospedadas em hotéis que tu geriste, e que sempre te deram os maiores elogios! Desde criança que te conheço e tu a mim e nós temos a sorte de ter uma educação muito equilibrada! Tivémos ambos um Pai fabuloso! Perdemos os dois cedo demais esse Pai ... mas ficaram-nos os valores que recebemos! São inesquecíveis os seus exemplos! Temos os dois mães doces e carinhosas, excelentes mães e avós! Somos uns previlegiados neste mundo de egoístas! Temos os dois doenças não curáveis. Mas a minha (bipolar) com tratamento, hoje em dia, dá para fazer uma vida normal, mas tenho momentos de crise, que não são nada fáceis de os viver, nem por mim, nem por quem vive à minha volta ... mas não me quero comparar contigo! A tua doença é uma prova dura demais ... mas, tu tens muita força! Se não tivesses essa força, querido, não tinhas essa doença! "Deus escreve direito por linhas tortas" ...
    Adorei encontrar-te! Fico feliz por saber que estás a ser mimado, estimado! TU MERECES! Espero continuar a encontrar-te! Um abraço do tamanho do mundo para ti, Nanucha (Ana Maria).

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  4. Simplesmente Fantástico!!!
    bjinho Ana Rita

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  5. Sabes Henrique, a grandeza de uma pessoa não se mede pelo número de dias que está na terra, mas pela capacidade que tem de dar sentido à vida dos outros.
    Apesar de te ter conhecido num contexto de trabalho, em que o profissionalismo, muitas vezes nos impede de ver a humanidade que cada um de nós transporta, tu tiveste a capacidade de romper com esse estereótipo.
    A tua história, a tua energia, os teus sorrisos sinceros, os teus olhos prescrutadores, ensinaram-me a perceber que a fragilidade da vida nos une a todos e gera emoções muito fundas.
    Obrigada por tudo o que nos dás!
    Obrigada por me tornares mais humana!
    És um Homem Grande, com um coração gigante.

    Um beijinho para ti e para a tua família,
    N. Fragoso

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