quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A minha luta pelas ajudas tecnicas. Lei 38/2004 e Dec lei 93/2009

Desde Dezembro de 2010 que aguardo pelas minhas ajudas técnicas prescritas pela Professora Doutora Anabela Pinto do Departamento de Medicina Física e Reabilitação do Hospital de Santa Maria. O normal seria esperar 3 a 4 meses. Este período, já está largamente ultrapassado. Em Portugal, temos duas leis que regulamentam a atribuição de ajudas técnicas, a pessoas com deficiência. São elas, a lei 38/2004 de 18 de Agosto, e o decreto lei 93/2009. O deficiente que lê esses documentos, vai pensar que é uma «Alice no Pais das Maravilhas». No entanto, a realidade é bem diferente. Rezam os documentos coisas tão belas como:
Na lei 38/2004

Promoção da igualdade de oportunidades, e promoção de uma sociedade para todos através da eliminação de barreira. A pessoa com deficiência tem direito ao acesso a todos os bens e serviços da sociedade. A pessoa não pode ser discriminada, directa ou indirectamente. A pessoa com deficiência tem direito aos bens e serviços necessários ao seu desenvolvimento ao longo da vida. A pessoa com deficiência tem o direito à qualidade dos bens e serviços de prevenção, habilitação e reabilitação, atendendo à evolução da técnica e às necessidades pessoais e sociais. Ao Estado compete criar as condições para a execução de uma política de prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência. Compete ao Estado adoptar medidas que proporcionem à família da pessoa com deficiência as condições para a sua plena participação.
Compete ao Estado adoptar, mediante a elaboração de um plano nacional de promoção da acessibilidade, medidas específicas necessárias para assegurar o acesso da pessoa com deficiência à sociedade de informação.

No Dec lei 93/2009

O presente decreto lei visa, assim, criar de forma pioneira e inovadora o enquadramento especifico para o Sistema de Atribuição de Produtos de Apoio — SAPA... O SAPA abrange as pessoas com deficiência e, ainda, as pessoas que por uma incapacidade temporária necessitam de produtos de apoio. No caso de prescrição médica obrigatória, os produtos de apoio são prescritos apenas por médico. As verbas destinadas ao financiamento dos produtos de apoio abrangidos pelo presente decreto -lei são geridas autonomamente por cada entidade financiadora e são disponibilizadas pela Administração Central do Sistema de Saúde, às unidades hospitalares... A comparticipação dos produtos de apoio é de 100 %. Nas unidades hospitalares (...) os produtos de apoio são directamente fornecidos aos utentes, não havendo
lugar a comparticipação através de reembolso.

Perante tão bonitas palavras e intenções por parte do legislador, só me resta concluir que da teoria à pratica, vai uma grande distancia. Para um doente com ELA, as ajudas técnicas são fundamentais para se ter alguma qualidade de vida. No meu caso, que estou quase completamente paralisado, uma vez que só mexo o pescoço e um dedo, diria mesmo que as ajudas técnicas são de vital importância. Até porque neste momento, já falo com muita dificuldade e a única maneira de poder comunicar a muito curto prazo é ter o sistema de comunicação aumentativa, onde poderei controlar o rato do computador através da vista e assim comunicar com o mundo. Caso contrario, ficarei prisioneiro dentro do meu corpo, limitando-me a responder com piscadelas de olho às perguntas que me fazem. Não ignoro que o pais atravessa um momento critico da sua história, vitima da incompetência dos nossos políticos e da voracidade despesista das clientelas politicas. O momento é difícil e é preciso cortar, mas eu sempre paguei e pago os meus impostos. Por isso exijo que o Estado me apoie, de acordo com as leis que o próprio aprovou na Assembleia da Republica. Sei de fonte segura que há mais de um ano que o departamento de Medicina Física e Reabilitação, não recebe uma ajuda técnica, apesar dos médicos continuarem a prescrever. Por isso, decidi hoje por mim e por todos aqueles que estão nas mesmas condições que eu, iniciar uma luta pelas ajudas técnicas a que temos direito. Sempre lutei pelas coisas em que acredito. Nunca me acomodei. Agora não será diferente.

Quais são então as ajudas técnicas que eu reclamo? Em Dezembro de 2010,foi-me prescrito uma cadeira de rodas eléctrica. Neste momento, com as limitações que apresento o comando teria de ser adaptado. Em Janeiro de 2011 foi-me atribuída uma cadeira de conforto. Como não recebi, mas esperava que o assunto se resolvesse, optei por alugar uma, o que me custa 150 euros por mês. Também em Janeiro de 2011 foi-me prescrito, após testes com técnicos de uma empresa independente, um sistema de comunicação aumentativa. Esta é para mim a mais importante das ajudas técnicas que me podem ser dadas neste momento, e também a mais onerosa de todas. Talvez a administração da entidade prescritora, neste caso o Hospital de Santa Maria, tenha como estratégia deixar passar o tempo, porque o tempo é uma coisa que um doente com ELA não tem. Nós lutamos contra o tempo, em contra relógio porque a esperança de vida, dizem os médicos e as estatísticas é muito curta. Se for esta a ideia,desengane-se o Sr Profº Doutor João Álvaro Correia da Cunha, Presidente do CA do HSM, que eu até ao ultimo dia da minha vida vou lutar pelas ajudas técnicas que o Estado me deve. Por mim e por todos os ELAS

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Tamagochi

Há famílias e cuidadores que são muito bons a tratar da doença e menos bons a tratarem do doente. Não porque não queiram, mas muitas vezes porque não percebem o que é preciso fazer. Aparentemente estas duas coisas são o mesmo, mas na realidade são bem diferentes. Tratar da doença é para mim o aspecto técnico da questão, enquanto que tratar do doente é o aspecto prático. Tratar da doença é levar o doente ao médico, dar-lhe a medicação, mobiliza-lo, leva-lo à fisioterapia, colocar o ventilador, etc. São aspectos importantes que passam a fazer parte da realidade da vida do doente, mas que não lhe acrescentam um crédito de vivência, nem o tornam mais feliz. Permitem-lhe sobreviver, mas não viver. Tratar do doente é precisamente o contrário. é po-lo a viver em vez de sobreviver. É a difícil tarefa de o tornar feliz. E como é que isso se faz? Não há uma formula magica que se aplique a todo o universo de doentes com ELA, mas não erraria por muito se dissesse o quanto é importante o apoio da família e dos amigos. Levar à rua, passear, ir jantar fora, ir ás compras, ao futebol, à praia, virar a pagina de um livro ou jornal, conversar, animar, são exemplos simples de coisas que acrescentam conteúdo à vida do doente. Assim o doente tem a noção de que vive de facto em vez de apenas sobreviver. Digamos que este é o patamar de excelencia para o núcleo que envolve o doente. Tal como num tamagochi, se o doente estiver feliz é porque estão a fazer um bom trabalho. Quando ouso colocar este nível de exigencia sobre os que rodeiam os doentes é porque dou como garantido que o primeiro nível está adquirido, ou seja, o da sobrevivencia.  No entanto tal não é verdade. Muitos morreram porque não os viraram, outros afogaram-se em saliva, outros esqueceram-se de por o ventilador. Não atribuo culpas a ninguem. São acidentes que fazem parte da própria doença. Por outro lado não é legitimo pedir ás familias, amigos e cuidadores que deem mais do que conseguem dar. Não faço portanto, juízos de valor, mas é preciso ter consciencia que para um ELA sobreviver para alem das contingencias da própria doença é preciso mante-lo vivo. Falei à pouco do tamagochi, aquele joginho electrónico japonês em que é preciso alimentar, dar carinho, cuidar para se manter o boneco vivo. Hoje ter um doente com ELA em casa é o mesmo que ter um tamagochi. Só há uma pequena grande diferença. Quando o tamagochi morre, podemos fazer reset e começar a jogar novamente. Com um doente com Ela, ... GAME OVER

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Uma semana de férias

Há muito tempo que não escrevo no meu blog, por isso hoje vou obrigar-me a escrever apesar de não me apetecer. Talvez pelas férias ou por este Outono antecipado estou preguiçosamente melancólico. Como é preciso contrariar este estado de espírito toca a por mãos à obra.

Tivemos uma bela semana no Algarve, no Hotel Algarve Casino. Para isso muito contribuiu o meu amigo Albano, Director Geral do Hotel. O meu estado físico já obriga a pensar duas vezes antes de sair de casa e a planear muito bem as coisas. O Albano conseguiu uma cama articulada e o quarto 250 do Hotel, tem uma casa de banho preparada para receber pessoas com mobilidade condicionada. Para além disso, tive todo o apoio da equipa do Hotel, no que diz respeito a ajuda para banhos na piscina. Claro que também levei o Luís, caso contrário seria impossível. Foi bom estar em família, descansar e usufruir do sol do Algarve. O bar do Hotel tem uma varanda debruçada sobre a piscina de onde se avista toda a praia da Rocha. Assistir ao por do sol ali, é um espetáculo fantástico. Os raios de sol alongam-se sobre o mar, conferindo-lhe uma tonalidade alaranjada. É bom ficar ali a tomar uma bebida e a pensar em nada, com os sentidos embriagados por tanta beleza.

Mesmo em frente ao Hotel a pizzaria La Dolce Vita é paragem obrigatória. Tem óptimas pizzas, massas e risottos. Além disso tem um serviço eficiente apesar de estar sempre cheio. Comigo tiveram muitas atenções, tendo em conta a necessidade de me colocar em mesas favoráveis às manobras necessárias para estacionar a cadeira de rodas. O bom da praia da Rocha é que de um lado temos a praia e a piscina, e do outro uma rua que se pode dividir em dois: o lado tranquilo, à frente do hotel e o lado da confusão onde ficam os bares. Ali temos o melhor dos dois mundos e de fácil acesso para cadeira de rodas. A parte pior é o acesso à praia, que só pode ser feito por escadas ou através de uma rampa impossível para cadeiras de rodas. Em alternativa pode-se ir de carro até à marina e ai entrar na praia. É pena. Se a praia fosse acessivel teria arriscado um banho de mar. Como não é, fiquei-me pela piscina que é bem boa. De água salgada e com temperatura a 26, 27 graus.

Foi durante esta semana que casualmente encontrei na net uma noticia relativamente a uma descoberta sobre a ELA. Aparentemente foi descoberto um mecanismo comum a todos os tipos de ELA. O colapso dos sistemas de reciclagem  celular nos neurónios da medula e do cérebro de pacientes com ELA resultam na perca da sua capacidade de transportar sinais do cérebro para o sistema muscular do corpo. Sem esses sinais, os pacientes gradualmente estão privados da capacidade de se mover, falar, engolir e respirar. Foi descoberto uma proteína chave, o ubiquilin2, que tem funções reparadoras dos neurónios danificados. Quando o ubiquilin2 falha, dá-se essa reacção em cadeia que leva à doença. A compreensão deste mecanismo poderá levar ao desenvolvimento de medicamentos mais eficazes. Ainda não tive oportunidade de questionar o professor Mamede de Carvalho sobre esta noticia, mas acredito que se trate de um passo importante. Esta noticia pôs-me a pensar. Eu que já tinha as ideias todas arrumadinhas de repente fiquei sobressaltado. «Epá, e se descobrissem qualquer coisa, será que ainda ia a tempo?». É melhor não ficar entusiasmado demais, mas ir seguindo este assunto com atenção. Antes de ir de férias vi uma daquelas reportagens a seguir ao telejornal, sobre o tema da felicidade. Alguém dizia que podemos ser felizes em qualquer circunstancia desde que tenhamos a cabeça organizada. Pois é, o meu caso. Consigo ser feliz com as minhas perspectivas porque tenho as ideias arrumadas. Esta noticia desarrumou-me um bocadinho. Vozes levantaram-se dentro da minha cabeça. De um lado os activistas rejubilavam com a noticia. «Isto agora é que vai ser», diziam. «Finalmente um caminho para a cura». Do outro lado os pacifistas recomendavam calma. «Mesmo que a descoberta seja importante demora muitos anos até haver um medicamento eficaz». Tive que intervir. Meus senhores não vale a pena uma discussão tão grande num espaço tão pequeno. Ainda me rebentam a cabeça. Vamos parar com isto porque já me chegam os problemas que tenho. Mesmo assim havia relutância em acatar as minhas instruções. Vamos lá voltar à lógica de um dia de cada vez. Até haver desenvolvimentos mais claros sobre esta descoberta estamos proibidos de fantasiar sobre a mesma.