terça-feira, 27 de setembro de 2011

Tamagochi

Há famílias e cuidadores que são muito bons a tratar da doença e menos bons a tratarem do doente. Não porque não queiram, mas muitas vezes porque não percebem o que é preciso fazer. Aparentemente estas duas coisas são o mesmo, mas na realidade são bem diferentes. Tratar da doença é para mim o aspecto técnico da questão, enquanto que tratar do doente é o aspecto prático. Tratar da doença é levar o doente ao médico, dar-lhe a medicação, mobiliza-lo, leva-lo à fisioterapia, colocar o ventilador, etc. São aspectos importantes que passam a fazer parte da realidade da vida do doente, mas que não lhe acrescentam um crédito de vivência, nem o tornam mais feliz. Permitem-lhe sobreviver, mas não viver. Tratar do doente é precisamente o contrário. é po-lo a viver em vez de sobreviver. É a difícil tarefa de o tornar feliz. E como é que isso se faz? Não há uma formula magica que se aplique a todo o universo de doentes com ELA, mas não erraria por muito se dissesse o quanto é importante o apoio da família e dos amigos. Levar à rua, passear, ir jantar fora, ir ás compras, ao futebol, à praia, virar a pagina de um livro ou jornal, conversar, animar, são exemplos simples de coisas que acrescentam conteúdo à vida do doente. Assim o doente tem a noção de que vive de facto em vez de apenas sobreviver. Digamos que este é o patamar de excelencia para o núcleo que envolve o doente. Tal como num tamagochi, se o doente estiver feliz é porque estão a fazer um bom trabalho. Quando ouso colocar este nível de exigencia sobre os que rodeiam os doentes é porque dou como garantido que o primeiro nível está adquirido, ou seja, o da sobrevivencia.  No entanto tal não é verdade. Muitos morreram porque não os viraram, outros afogaram-se em saliva, outros esqueceram-se de por o ventilador. Não atribuo culpas a ninguem. São acidentes que fazem parte da própria doença. Por outro lado não é legitimo pedir ás familias, amigos e cuidadores que deem mais do que conseguem dar. Não faço portanto, juízos de valor, mas é preciso ter consciencia que para um ELA sobreviver para alem das contingencias da própria doença é preciso mante-lo vivo. Falei à pouco do tamagochi, aquele joginho electrónico japonês em que é preciso alimentar, dar carinho, cuidar para se manter o boneco vivo. Hoje ter um doente com ELA em casa é o mesmo que ter um tamagochi. Só há uma pequena grande diferença. Quando o tamagochi morre, podemos fazer reset e começar a jogar novamente. Com um doente com Ela, ... GAME OVER

6 comentários:

  1. meu querido como és claro naquilo que dizes;
    é tao importante tratar a doença como o doente, as duas coisas sao necessarias e igualmente importantes
    beijos
    bia

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  2. Ola concordo 100%...eu tive um irmão que faleceu com ELA..e como sei que isso é verdadeiro...a palavra amo-te junto com as ações estiveram presentes nesta etapa das nossas vidas...foi bom sentir que era feliz pela familia que tinha...e isso ajuda-nos atenuar a dor da saudade...
    marta

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  3. Henrique adorei a comparação...só tu te lembrarias disso...e do Tamagochi! Mas tens razão, ambas as coisas são importantes se bem que ás vezes acho que em determinada fase da doença, é mais importante tratar do doente do que da doença.
    Agora vou-te contar um segredo...vê lá tu que eu sempre detestei Tamagochis, nunca deixei as minhas filhas ter um porque achava que aquele boneco causava uma dependência doentia.... e agora vê lá tu ... quem tem um "Tamagochi" sou eu e faço de tudo para ele estar sempre bem com a barriga cheia e bem disposto !!!!
    Um abraço, Teresa

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  4. Obrigada Henrique!
    Você prima pela clareza das ideias e é de de facto um Embaixador d'ELA.
    VIVA

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  5. ""É a difícil tarefa de o tornar feliz. E como é que isso se faz? Não há uma formula magica que se aplique a todo o universo de doentes com ELA, mas não erraria por muito se dissesse o quanto é importante o apoio da família e dos amigos. Levar à rua, passear, ir jantar fora, ir ás compras, ao futebol, à praia, virar a pagina de um livro ou jornal, conversar, animar, são exemplos simples de coisas que acrescentam conteúdo à vida do doente.""

    Infelizmente a realidade de muitos doentes não é essa, pelo contrário, o que rodeia esses doentes é a hipocrisia.

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  6. so hoje estou pondo a leitura de TI em dia!!!ADOREI o teu Tamagochi!!
    Este artigo e a reflexao sintese,do que tenho vindo a bater e re-re-rebater na Comunidade ELA desde 2008, e que foi o objectivo de reformar e revitalizar a APELA com o Pedro Monteiro e demais que se aliaram na altura!VEICULAR E REBATER A IDEIA DE QUE UM ELA nao esta mal-enterrado!!! ESTA BEM VIVO!E NAO E TONTINHO!
    esta parte esta o que sao as nossas necessidades:

    "Tratar do doente é precisamente o contrário. é po-lo a viver em vez de sobreviver. É a difícil tarefa de o tornar feliz. E como é que isso se faz? Não há uma formula magica que se aplique a todo o universo de doentes com ELA, (....) Levar à rua, passear, ir jantar fora, ir ás compras, ao futebol, à praia, virar a pagina de um livro ou jornal, conversar, animar, são exemplos simples de coisas que acrescentam conteúdo à vida do doente. Assim o doente tem a noção de que vive de facto em vez de apenas sobreviver. "
    Meu Amigo QUE BEM ESCREVESTE/DESCREVESTE ISTO!
    ABRAÇO do tamanho do Infinito do nosso coraçao...
    maria jose

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