quinta-feira, 5 de maio de 2011

Ancora 1, a FAMÍLIA

O doente com ELA é um doente difícil. A doença causa sofrimento psicológico e físico, pelo que gera grande instabilidade emocional. A doença afecta, não só o doente, mas todas as pessoas que o rodeiam. Talvez por isso se diga que a ELA é uma doença da família. No meu caso, quando soube que tinha ELA, «morri» e só reagi meses depois. Passou-me tudo pela cabeça. Encontrei força, carinho e cumplicidade na minha mulher. Chorámos juntos. Foi um abalo de magnitude elevada, daqueles que abanam os alicerces. Um dia a minha mulher disse-me, que o casamento era na saúde e na doença, e que ela estava cá para me apoiar incondicionalmente. Nunca me esquecerei destas palavras. Este apoio marca o meu momento de viragem em relação à forma como encarava a doença e a vida.

Deve haver uma forma mais simpática de dizer a um doente que tem ELA. Eu sou daquelas pessoas, que querem sempre saber a verdade e que gosta de ter o máximo de informação. No entanto dizerem-me que tinha uma doença fatal, sem cura, progressiva e com uma esperança de vida curta, deita abaixo qualquer um. É claro que hoje estou-me nas tintas para a minha esperança de vida. Considero isso um dado estatístico. Quero apenas ser feliz um dia de cada vez. Ninguém está preparado para uma noticia destas. Acho sinceramente que os médicos, sem esconderem a realidade ao doente, devem reflectir na forma como transmitem esta informação. O peso fatalista, de como se colocam as coisas para o doente com ELA, é muito injusto, e não tem que ser assim. Há vida depois da ELA, e essa vida pode ser digna e feliz.

Passado o primeiro impacto tínhamos mais um «dossier» importante para gerir. Como é que se conta aos filhos com 7, 10 e 14 anos que o pai tem uma doença incurável e progressiva? A resposta a esta pergunta, ainda hoje não a sei e já passaram 3 anos. Discuti muito o assunto com a minha mulher. Optámos por ir gerindo a situação. Por um lado não queriamos que os miúdos sofressem por antecipação, e por outro, não queríamos esconder a verdade. Obviamente com a evolução da doença eles foram tomando consciencia de que o pai não estava bem. Chegou o momento em que foi preciso dizer claramente que o pai tinha uma doença grave, mas que estava cá para lutar. Este momento de partilha, tenho a certeza que os tornou mais fortes. Não lhes disse logo o nome da doença. A informação que existe na internet é demasiado brutal. Preferi filtrar a informação e ir transmitindo aos poucos.

Hoje, já passaram 3 anos desde o primeiro sintoma. Já passaram 2 anos e meio desde o diagnóstico. A evolução da doença tornou-me um doente difícil. A falta de mobilidade é terrível. Estamos dependentes de terceiros para tudo. Isto causa-me alterações profundas e súbitas no meu estado emocional. Quem sofre são os que estão mais próximos. Aqueles que me inspiram e onde eu vou buscar a minha força, são aqueles que pacientemente sofrem com a minha irrasciblidade. Quero conter-me e ás vezes não consigo. A família segura. Quero ser fácil, e sei que sou dificil. Grito com quem não quero gritar. É injusto... A família é a minha principal ancora e onde eu vou buscar a minha força. Pela minha mulher e pelos meus filhos não desisto de nada. No fundo, acho que dentro do azar de ter ELA, tenho muita sorte  por ter uma mulher fantástica e uns filhos maravilhosos.

5 comentários:

  1. A ELA é sem dúvida uma doença da família....
    Sem comentários !!!!!!
    Abraço grande para o Henrique e fantástica família
    M&M

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  2. ELA .... Devastou a minha vida, perdi meu Pai, já lá vão 4 anos, e sem duvida que ELA é uma doença da Família…. Todos sofrem e todos lutam para minimizar sua dor, mas como familiar ainda digo hoje…. Que era a força de meu Pai, a vontade de viver a aceitação da doença, sua luta, que me dava ainda mais força para continuar e nunca desistir.
    Força….
    Porque nunca nos arrependemos de estar próximo de quem amamos. E esse Amor danos VIDA

    Ana Meireles

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  3. boa tarde sr.Henrique eu chamo-me Miguel tenho 33 anos e tb tenho ELA ja a 4 anos e 5 meses apos ter sido diagnosticada. desde entao a minha vida tem sido uma aprendisagem diaria, pois nao e facil vivermos com as nossas limitacoes, mas elas nao me fazem desistir, actualmente tenho muita vontade de viver.
    Forca sr.Henrique o que estamos a passar e so uma fase e uma etapa em nossas vidas.
    Abraco de quem sabe o e ter ELA.

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  4. Meu grande amigo Henrique, como sabes a minha mulher teve cancro. Como sabes, é uma doença que vai tendo cura, mas ainda mata muita gente. Já passaram 16 anos. Foi a partir daí que eu comecei a encarar a vida de uma maneira totalmente diferente: viver 1 dia de cada vez.
    A Fátima foi 1 doente que a tudo se submeteu para ultrapassar a doença. As minhas filhas, Dani e Susana, foram o suporte da nossa força. Tenho como tu, um grande orgulho na minha família, foram elas, que ao partilharem a doença da mãe connosco, ajudaram a que se passassem 16 anos...e nem mais sinal de cancro.
    Meu grande amigo, não eras merecedor do que estás a passar.Sou solidário contigo e com a tua mulher e filhos. Se te serve de algum alento, pensa que tens aqui no conde do Fôjo,um GRANDE amigo que quase todos os dias pensa no Henriquinho ainda de calções em Repeses, com uns pais maravilhosos.Agora que um deles já partiu e que tantas saudades nos deixou e a tia Natália de quem tanto gostava que não estará no seu melhor devido à idade, recebe um grande abraço deste teu amigo, da Fatinha, da Dani e da Susana. Vive também 1 dia de cada vez o melhor que puderes, Saboreia-os com os teus filhos e com a tua mulher. Sê feliz tanto quanto puderes e a tua deoença deixar.
    Hoje estamos a falar,amanhã é outro dia e eu não sei se cá estarei para falar contigo.
    Um grande, grande abraço para ti, um beijinho muito grande para a Mara e para os teus filhos.
    FORÇA AMIGO

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  5. Ola Henrique!
    Adorei ler isto e fiquei Plena e muito feliz!!TODO O TEU ESCRITO E UM GRITO PELA VIDA!
    destaco duas frases que sao tao importantes que deveriam ser gritadas aos 7 ventos e por bem mais que 7 leguas!!

    "É claro que hoje estou-me nas tintas para a minha esperança de vida. Considero isso um dado estatístico. Quero apenas ser feliz um dia de cada vez." (...)

    "Há vida depois da ELA, e essa vida pode ser digna e feliz."
    PODE E DEVE SER ISTO!! mas nao e assim com todos...POR ISSO OS QUE ASSIM PENSAM... NOS!...SOMOS TAO IMPORTANTES!! ajudar a lutar para que os ELAs sejam dignamente Felizes!
    Obrigada por teus escritos tao cheios de sensibilidade e sinceridade! maria jose

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