segunda-feira, 6 de junho de 2011

Eu, procuro alguém para fazer de Eu.

Já me apeteceu por um anuncio no jornal com o seguinte teor: «Procura-se alguém para fazer de Eu». De facto, um doente com ELA, pode fazer tudo, mas não consegue fazer nada. No entanto se tiver ajuda, pode fazer ainda muita coisa. Não precisei de por um anuncio, porque apareceu o Luís. O Luís é, em termos técnicos aquilo a que chamamos um cuidador, ou care giver. Na realidade, o seu trabalho é um bocado mais do que este. O Luís, faz o favor de viver um bocadinho menos a vida dele, para me deixar viver um bocado mais a minha. Esta é uma tarefa de grande humanidade e de amor ao próximo. Já me perguntei, se fosse ao contrário, se eu não estivesse doente e vivesse «no meu mundinho perfeito», se seria capaz de dar tanto ao próximo, como me dão a mim. Honestamente tenho dificuldade em responder. Ás vezes é preciso estar perante as circunstâncias que a vida nos põe, para ir ao fundo do baú buscar capacidades que até então não reconhecemos em nós. A normalidade que este trabalho transmite ao meu dia a dia é indescritivel. A rápida e implacável evolução da minha doença, tornou-me completamente dependente de terceiros.  Passei então a poder fazer coisas normais que pessoas normais fazem, como ir à rua, a trabalhar, deslocar-me de carro ou até a escrever no computador. Sem esta ajuda diária tudo seria muito mais difícil, ou até impossivel.

Um bom cuidador é aquele que é mais do que um bom cuidador. No fundo tem que ser alguém em quem se possa confiar. No meu caso, tirando a minha mulher, o Luís é a pessoa que sabe mais da minha vida. É alguém que muitas vezes tem que me ajudar a ser Eu. Isto faz com que eu esteja animado e consiga ser optimista apesar do cenário que tenho. Gosto quando a minha mulher chega a casa, e me diz «estás tão cheiroso». Gosto de ir à escola dos meus filhos resolver um problema qualquer, ou participar numa actividade. Gosto de ir para o escritório trabalhar. Gosto de ir ver o meu filho jogar golfe. Gosto de ir ver a minha filha jogar volei. Gosto que estas sejam tarefas de maridos e pais normais. Gosto de fazer estas tarefas e de sentir que afinal perdi muito, mas não perdi tudo. Sentir que posso fazer quase tudo o que fazia, embora com muita, muita ajuda. Mas faço. E continuo a ser marido, pai e amigo dos meus amigos. E a gostar das mesmas coisas que gostava. A doença não alterou o meu gosto pela vida. Antes o reforçou, por ter agora consciência de quão dificeis são as coisas. Dou agora muito mais valor a tudo o que posso desfrutar. Esta anormal normalidade, de alguém que está quase totalmente paralisado, só é possivel, com a tal ajuda que me ajuda a ser Eu. Por isso digo, obrigado Luís por me deixares voltar a ser Eu.

8 comentários:

  1. É verdade Henrique, continuas a ser Marido , Pai e Amigo dos teus Amigos, esse foi sempre o meu objectivo em relação ao meu marido, o Zé.
    Também eu deixei de viver um bocadinho da minha vida para que ele pudesse ser tudo isso. E agora ao fim de 5 anos, mesmo estando ele totalmente paralisado, sem fala e com um ventilador a fazer-lhe companhia, continua a ser o mesmo Marido, o mesmo Pai e o mesmo Amigo, sai quando lhe apetece e tal como tu tem o privilegio de "cheirar bem todos os dias", tem uma família
    maravilhosa e bons amigos.
    Isso pode-se dizer que é um privilegio e temos que dar graças a Deus por isso.
    Um abraço cheio de força
    Teresa

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  2. Tive o privilégio de conhecer o Luís. O carinho e a atenção permanente que dedica ao Henrique são visíveis à légua, mas Henrique tenho a certeza que para o Luis é uma honra privar consigo tão de perto e este convívio torna-o um ser humano mais completo e sensível.
    Abraço grande para o Luis.
    Beijos Hennrique, até breve.
    Manuela

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  3. Felizmente que existe um Luis na tua vida! Sabes ... eu revejo-me nesse Luis e tenho a certeza que consigo ser um "Luis" na vida de alguém!!! A isto chama-se altruísmo e Henrique é inato! Eu sou assim ... o meu irmão, que tu conheces ..., goza comigo e chama-me "Madre Ana" ... mas eu não me importo e sinto-me bem!
    Mais uma vez felicito-te pelo teu fantástico testemunho e agradeço-te por me fazeres sentir tão ridícula com as minhas banais preocupações com mesquinhices sem importância! Bem haja ao Luis! E vai escrevendo sempre Henrique para quem gosta de ti, como eu e para quem possa ser bastante úteis os teus comentários. Um grande beijinho, Nanucha.

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  4. Querido Henrique. Conheci o Luis no dia do teu aniversário. Agradeci-lhe por tudo. Pensei que seria um Hércules, cheio de músculos e altura e quando o vi realizei mais uma vez que "os homens não se medem aos palmos" e que a Vontade de fazer Bem e o Afecto que se põe naquilo que se faz são o mais valioso. Pensei também quão misteriosos são os desígnios do Universo/Deus que nos envia as pessoas certas na altura certa...
    Bem Hajas pela Coragem e Partilha
    tua prima Teresa

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  5. A primeira coisa que pensei quando conhecí o Luis foi "como é que alguem jovem, por muito altruista que seja, tem a capacidade de viver uma doença,(tambem)sentimentalmente muito complicada, que não é sua!" A resposta foi obvia a partir do momento em que o conhecí melhor Henrique. O merito é seu ! Tenho a certeza que para o Luis o Henrique não é a profissão dele, é um amigo! Um GRANDE amigo!
    RF

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  6. FANTASTICO!so hoje li.......:(
    maria jose dias

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  7. Henrique,
    A sua originalidade é fantástica!!
    O seu sentido de humor é hilariante!

    Desculpe e obrigado por me ajudar a refazer do choque que apanhei quando o fui visitar à consulta no Hospital de Santa Maria, Janeiro passado.

    Como estava sempre a brincar com as situações no passado,não quis acreditar que o caso fosse tão grave e levei mais um murro no estômago...

    Afinal, compreendi que a amizade não tem nada a ver com a quantidade de tempo que as pessoas convivem,mas sim com o facto de terem um sentimento de amizade verdadeiro.

    Coragem ao Luís para dar-lhe alguma qualidade de vida e fazê-lo feliz.

    Um abraço e feliz Natal aos dois,
    Mª do Céu Bento

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  8. Acabei de encontrar este Blog!
    ELA! 'Conheci-a' em 2002! Nunca tinha ouvido falar em semelhante doença, para mim na altura, Esclerose só Múltiplas e estavam sempre ligadas ao envelhecimento, ou seja, era coisa de velhinhos!
    Não vou descrever o tipo/s de sentimentos que me invadiram na altura! Tratava-se da minha sogra! Uma Grande Senhora, com uma actividade física acima da média! Muito acima!
    Que partida do destino esta! Logo a ela!

    Estou ...sem palavras, por encontrar este Blog! A FORÇA, DETERMINAÇÃO, INTELIGÊNCIA e VONTADE que é expressa aqui! Só me apetece chorar e pedir-vos desculpa por ter eu problemas tão minúsculos comparados com os vossos (e com os dela!) e por vezes andar mal disposta e triste! E o Henrique ainda dá força a todos os que se 'cruzam' consigo! Bem haja Homem!

    A si Henrique e ao Luis, e a todos os que privam convosco e a todos os doentes de ELA o meu mais profundo reconhecimento pela vossa luta! Também minha, muito minha! Mas não posso falar dos meus sentimentos relativamente à ELA! São demasiado negros para os partilhar!
    Vocês dão-nos uma lição de vida e coragem que deve ser alargada a todos!

    O meu muito bem haja por partilharem a vossa experiência!


    Conheço os passos, os departamentos de Sta.Maria, ..., os nomes dos médicos..., as dificuldades que tinham em 2002/2003!
    A Maria (nome da minha sogra) teve os primeiros sintomas anos antes, nos gémeos (pernas), durante mais de 2 anos achavam que era, reumático! Vocês sabem como é! Chega-se por despiste, leva imenso tempo e depende muito do 1º. médico, se um simples burocrata ...nada feito. Em 2002 foi finalmente diagnosticada. Lembro-me de no dia seguinte no trabalho ter feito uma pesquisa na NET para saber o que era a "ELA"...
    Na altura em Sta.Maria o departamento era relativamente 'novo', não havia muita informação. Fomos antes a um supra sumo da Neurologia (muito simpático e competente, não me lembro do nome) que nos disse directamente que não havia nada a fazer! Cada consulta era uma bofetada em cheio! Cada contacto médico era duma violencia psicologica bruatal! Ninguem estava preparado para isso!
    Quando a Maria começou a ter problemas de fala, arranjamos um quadro, com letras e números para ela poder formar palavras, as médicas de Sta.Maria ficam muito admiradas e gostaram imenso da ideia! O ideal naquela altura era ter um sistema que pudesse falar por ela, penso que já exista. Seria MUITO BOM!

    Como alguém dizia neste Blog, morre-se imediatamente com o diagnóstico! Mas o ser Humano é (perdoem a expressão) do caraças!

    Passados alguns meses 2 ou 3, a força, a esperança começaram a surgir! :) E assim foi, a luta nunca termina!

    Eu espero não estar a ser inconveniente, mas este tema é para mim tão forte que me era impossível não interagir.

    Um forte abraço,
    um grande sorriso e bem haja pela Força!

    Maria Palma
    mariaconceicao0@gmail.com

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